O mundo reinventa a aposentadoria

Recessão global acelerou esse processo que se intensificou com uma grande maioria dos baby boomers muito perto de se aposentar

Mark Trumbull, The Christian Science Monitor – O Estado de S.Paulo

Quando as condições econômicas no Japão o obrigaram a fechar seu pequeno empório de venda de arroz, aos 63 anos, Yasunori Izumi não achou que chegara a hora de se aposentar. Em vez disso, preocupado com as despesas e como pagá-las, arranjou um novo emprego como motorista – e pretende continuar trabalhando nos próximos anos.

Na Grã-Bretanha, o carteiro Kevin Beazer tem apenas 45 anos, mas está inquieto com o seu futuro financeiro. Está vendo que a esperada aposentadoria será reduzida – refletindo o aperto fiscal que toma conta de toda Europa – e sabe que terá de arranjar um emprego em tempo parcial depois que se aposentar.

No Alabama, Donna Gainey, aos 64 anos ainda trabalha, mas não por necessidade financeira. Ela simplesmente gosta do seu emprego, na prefeitura, e da renda extra que ele proporciona.

Por todo o globo, da Europa desenvolvida à China em rápido crescimento, uma tendência comum vem surgindo: a mão de obra vai ficando mais velha à medida que a aposentadoria é retardada ou redefinida.

Uma recessão global contribuiu para acelerar essa tendência, impelindo muitas pessoas com mais de 55 anos a continuar trabalhando. Mas o real impulso por trás disso é demográfico. As pessoas estão vivendo mais e essa população mais idosa aumenta em grande número em muitos países, por causa da queda das taxas de natalidade e a redução do número de jovens.

Tudo isso é amplificado porque uma forte maioria dos “baby boomers”, os nascidos nos anos 50, está em vias de se aposentar. E o “baby boom” após a 2ª Guerra não se verificou apenas nos Estados Unidos, mas também na Europa e na Austrália. E todos eles estão chegando aos 65 anos.

Reunidas essas forças, o resultado é um “envelhecimento global”, que já vem tendo uma grande influência na economia mundial – e promete transformar o significado de “anos dourados”.

Antigamente, os trabalhadores nos países desenvolvidos quase sempre chegavam a um momento da vida em que havia uma nítida ruptura com o trabalho, quando a carreira chegava ao fim. O momento do infame “relógio de ouro” (uma metáfora para a aposentadoria). Talvez uma mudança para um lugar ensolarado, como a Flórida.

Novos tempos

Mas a vida após os 60 está passando por uma mudança importante. Ainda pode ser uma boa época para jogar golfe, nadar, mas para milhões de pessoas é também a hora de se agarrar a um emprego em tempo integral, reingressar no mercado trabalhando em tempo parcial, ou até abrindo uma empresa própria.

As razões disso podem ser positivas, como a busca de uma realização pessoal. À medida que aumenta a longevidade, as pessoas encaram o trabalho como uma maneira importante de manter a vida ativa e com algum sentido. “A real noção de aposentadoria – no sentido de lazer ininterrupto – não é nem de perto tão popular entre os baby boomers quanto foi nas gerações anteriores”, diz Neil Howe, historiador que traçou as características particulares de gerações para a empresa de consultoria LifeCourse Associates. “A ideia de permanecer contribuindo e não ser apenas um consumidor dependente é muito importante”.

Na verdade, algumas pessoas podem achar que a realização pessoal acontece depois da aposentadoria. Contudo, a razão mais nítida impelindo essa mão de obra já grisalha que se observa no mundo, tem a ver com os imperativos do bolso.

Em termos mais simples, se as pessoas vivem mais, alguém vai ter de sustentá-las. Mas para os especialistas, parte da resposta está no fato de que os idosos terão de arcar mais com a própria sobrevivência.

Os governos já estão sendo pressionados a aumentar a idade oficial de aposentadoria, se não quiserem sufocar suas economias com o peso da dívida pública. Os distúrbios na França, no ano passado, antes da votação pelo Parlamento do projeto de lei que aumentou a idade para as pessoas se aposentarem, são uma mostra das batalhas políticas que deverão ocorrer nos Estados Unidos e em outros lugares.

No final, do modo como as coisas avançam, isso terá grandes implicações em todos os aspectos, desde o padrão de vida das pessoas até o equilíbrio global de poder entre as nações.

E o mundo envelhece. Yang Jinrong é o retrato de como essa “nova aposentadoria” já vem criando raízes em todo o mundo. Ela é contadora na cidade costeira de Tianjin, na China. Hoje com 50 anos, Yang pretende continuar se mantendo e a sua família até os 60 ou 70 anos, trabalhando na contabilidade de uma empresa de equipamentos médicos. Ela trabalha porque gosta, mas também por causa de um aperto financeiro na China chamado “problema 4-2-1″, que significa que, graças à política de um só filho, cada trabalhador jovem terá de sustentar os dois pais e os quatro avós.

Sob muitos aspectos, a Ásia representa o epicentro do envelhecimento global. Com certeza nenhum outro continente enfrenta desafios maiores do que o asiático para se adaptar a esse panorama demográfico que muda rapidamente.

A região também reflete um outro fato essencial nesse aspecto: não é apenas um fenômeno de países ricos. A teoria dominante até agora é de que as sociedades envelhecem apenas quando atingiram a prosperidade generalizada. Mas na China “você envelhece antes de ficar rico”.

O fato de as pessoas viverem mais é uma causa, mas para os especialistas a maior razão é a queda na taxa de natalidade. À medida que o número de jovens diminui, as pessoas mais velhas vão formando uma camada maior da população em geral.

Mas a tendência varia muito – com alguns países com uma população que envelhece rapidamente e outros com uma população de jovens.

Num estudo divulgado pelo Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos, em Washington, Neil Howe e o coautor Richard Jackson alertaram que essas diferenças demográficas podem ser uma fonte de instabilidade geopolítica nos anos 2020. (Entre os países com um número muito grande de jovens e com alto potencial para a ocorrência de rebeliões estão Afeganistão, Iraque, territórios palestinos, Somália, Sudão e Iêmen.)

Outras nações poderão enfrentar dificuldades financeiras e tensões políticas por causa da rápida redução de jovens. A Rússia já está se tornando um caso extremo de declínio da população. Mas há outros países que em breve estarão registrando esse declínio, como Coreia do Sul (em torno de 2020) e China (em torno de 2030).

Se a Ásia deverá registrar os maiores ganhos no número de pessoas com mais de 65 anos, a Europa pode reivindicar o título de mais avançada em termos de envelhecimento. Ela terá duas pessoas em idade ativa para cada uma com mais de 65 em meados do século, segundo previsão da ONU (comparado com a proporção de 4 para 1 na Ásia).

Os Estados Unidos também são um país que envelhece. Mas o que é importante distinguir, em comparação com a maior parte do mundo desenvolvido, o país deverá registrar um modesto crescimento da população que poderá tornar a transição menos complicada.

O lado bom

Mas esse envelhecimento observado globalmente não é necessariamente ruim. Embora o processo esteja repleto de desafios, os elementos centrais da tendência são positivos.

Poucos acham que viver mais é um “problema”, por exemplo. Além disso, não faz muito tempo quando os demógrafos se preocupavam com a perspectiva de uma “bomba populacional” Malthusiana, que esgotaria os recursos do planeta. Embora os temores de uma catástrofe ambiental tenham se dissipado, a ONU hoje prevê que a população mundial pode se estabilizar dentro de 50 anos e depois começar a declinar.

Além do mais, se as pessoas se virem trabalhando com mais idade, isso não é automaticamente um fato frustrante. Carolyn May, da Grã-Bretanha, abraçou uma nova carreira aos 60 anos.

Ela trabalhou como professora de uma faculdade em Gales por dois anos, quando a instituição teve problemas financeiros. Aos 58 anos, Carolyn ficou de repente sem emprego. Mas ela usou esse revés como um catalisador para se lançar numa nova carreira na qual já vinha pensando há muito tempo. Ela usou o dinheiro de sua indenização para abrir uma empresa de consultoria chamada Still Much of Offer, cujo objetivo é fazer a conexão entre candidatos mais velhos em busca de um emprego com empregadores potenciais. Agora que ela encontrou um novo rumo, seu desejo é promover o valor de trabalhadores mais velhos como ela própria. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Pontos de vista

NEIL HOWE
HISTORIADOR
“A real noção de aposentadoria, no sentido de lazer absoluto, não é nem de perto tão popular entre os baby boomers quanto foi nas gerações anteriores.”

“A ideia de continuar contribuindo e não ser apenas um consumidor dependente é muito importante.”

YANG JINRON
CONTADORA CHINESA DE 50 ANOS
“Pretendo continuar trabalhando para me manter e manter a minha família até os 60 ou 70 anos.”

SUN QUANXIN
FILHO DE YANG, DE 26 ANOS
“Esse problema não tem solução (sustento da família). Vai além da minha capacidade financeira.”

CAROLYN MAY
APOSENTADA QUE VOLTOU AO MERCADO DE TRABALHO
“Muitas pessoas querem continuar trabalhando porque ainda têm muito a oferecer.”

J.B.WILEY
CAMINHONEIRO
“Tenho trabalhado a vida inteira com os olhos fixos no número 62 para eu me aposentar.”

 

 

23/01/2011
- O Estado de S. Paulo
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