O futuro do Brics (2)

O futuro do Brics (2)

 LUIZ GONZAGA BERTELLI

Presidente executivo do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e da Academia Paulista de História (APH)

 

Setenta anos depois da Conferência de Bretton Woods, firmado pelos 44 países que haviam vencido a Segunda Guerra para dar uma nova ordem à economia mundial, cinco países emergentes se unem para criar um banco de desenvolvimento e um acordo contingente de reservas. O objetivo: contrapor um novo modelo ao sistema originado então, que tem como dois de seus pilares o Fundo Monetário Internacional (o FMI, que concede empréstimos condicionados a países com dificuldade de caixa) e o Banco Mundial (o Bird, que disponibiliza empréstimos para projetos de infraestrutura).

 

Os cinco fundadores compõem o acrônimo que dá nome ao Banco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e confiam no peso que têm. Juntos, respondem por 20% do PIB global (US$ 15,7 trilhões), 40% das reservas globais, 41% da população mundial e 26% da área terrestre do planeta. Analistas apontam, ainda, razões operacionais e políticas a favor da iniciativa, visto que os organismos internacionais da "velha" ordem vêm dando sinais de esgotamento e, portanto, de ineficácia para atender à demanda dos países emergentes. Há também opiniões que indicam a falência do capitalismo de Estado, modelo utilizado pelo Brics e que hoje perdeu fôlego, ressalvando a China como exceção. No lado oposto, alinham-se os analistas que desconfiam das diferenças políticas e culturais, até de interesses, que dividem os cinco sócios do novo banco de fomento.

 

Por exemplo, a Rússia está enredada no conflito armado com a Ucrânia e com a anexação da Crimeia, atos que provocaram retaliações do Ocidente. A Índia, com as abismais desigualdades e visão altamente protecionista da agricultura, reluta em assinar acordos em bloco. O Brasil enfrenta sérios gargalos que emperram o desenvolvimento, a competitividade e a produtividade – fatores fundamentais para ganhar espaço no mercado globalizado.

 

As contradições dentro do grupo têm medida em algumas comparações. A economia da China é 26 vezes maior do que a da África do Sul e, em 10 anos, prevê-se que saltará do segundo para o primeiro lugar no ranking mundial, deixando para trás os Estados Unidos. A carga tributária chinesa gira em torno de 18%, contra os 30% emplacados pelo Brasil. A população da Índia deverá continuar explodindo, podendo ultrapassar a da China em 10 anos, e ali existem mais bilionários do que a França e a Inglaterra, mas tem mais pobres do que toda a África.

 

Esses aspectos foram abordados em recente seminário sobre o papel do Brics, que reuniu especialistas em política e comércio exterior no Teatro CIEE, em São Paulo: Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos; Marcos Troyjo, diretor do BricLabs da Universidade de Coimbra; Ann Lee, professora das universidades de Pequim e Nova York; e Marcelo Lins, jornalista da Globo News. Os quatro são unânimes em avaliar que o mundo atravessa a maior fase de mudança de equilíbrio de poder em mais de meio século, com o enfraquecimento da hegemonia dos Estados Unidos, a obsolescência dos instrumentos de governança global e a ascensão da China como potência econômica e demográfica.

 

Entretanto, como lembrou a professora Ann Lee, a China atuou por décadas como centro manufatureiro e exportador de produtos com preço extremamente atraentes para todo o mundo. Nesse processo, deixou a sustentabilidade de lado e hoje amarga índices de poluição alarmantes, que estão levando o país a rever suas políticas econômicas, privilegiando o foco em inovação e investimentos na África, que poderá assegurar fornecimento de matérias-primas. A China poderá ser também um parceiro valioso para o Brasil, com investimentos e transferência de tecnologias para execução de projetos de infraestrutura, área em que vem demonstrando grande competência.

 

Em contrapartida, o Brasil seria parceiro bem interessante nas áreas de sustentabilidade, principalmente no estratégico quesito de energias limpas, visto que os chineses vêm encarando o meio ambiente como questão prioritária, até porque, mantendo sua atual matriz energética, corre o risco de ter regiões inabitáveis. Em recente entrevista, Paul Polman, presidente global da Unilever e adepto da sustentabilidade, relata que até há correntes na China que defendem que o PIB não deve considerar a produção de riquezas, mas sim os ganhos em qualidade de vida, do ar, da água e da educação.

 

Essa talvez seja a principal moeda de troca nas relações com o Brasil, país pioneiro em tecnologias limpas, como o etanol combustível e o motor flex. Isso, sem falar no potencial de fornecimento de alimentos, principalmente grãos e carnes, e produtos industrializados de setores que conseguiram driblar os entraves de toda ordem e ganhar nichos no mercado internacional, como a Embraer. No caso da energia limpa, sempre é bom lembrar que o setor sucroalcooleiro no Brasil poderia avançar muito mais, se não se ressentisse da ausência de estímulos efetivos, com incentivos a pesquisa e desenvolvimento, segurança fundiária e adequada política de preços.

22/09/2014
- CORREIO BRAZILIENSE - DF
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