Atuário norte-americano debate uso do superávit

Atuário norte-americano debate uso do superávit

Atuário norte-americano debate uso do superávit

 

A discussão sobre o superávit está na ordem do dia, embora se saiba que o caminho é longo, dependendo de debate entre Banco do Brasil, participantes e entidades representativas dos aposentados, apreciação da Diretoria Executiva e Conselho Deliberativo, além do trâmite no Ministério do Planejamento e órgãos fiscalizadores, como a SPC.

Para enriquecer as discussões, a Revista PREVI entrevistou o atuário Colin Pugh, membro da Sociedade de Atuários dos Estados Unidos, do Instituto Canadense de Atuários e consultor em diversos projetos de previdência complementar realizados em países de todos os continentes, inclusive América do Sul. Colin foi um dos palestrantes do seminário Estrutura da Previdência na Europa, promovido pela Abrapp e realizado em Paris, no período de 20 a 28 de maio deste ano.

Na entrevista, Colin traz para o debate um pouco das experiências internacionais sobre utilização de superávits, fala do sistema brasileiro e, em muitas questões, destaca a palavra cautela como denominador comum de suas idéias.

Revista PREVI – É comum a ocorrência de déficits ou superávits nos fundos de pensão, como resultado das variações naturais tanto nos valores dos ativos quanto dos passivos?

Colin Pugh – Sempre haverá superávits e/ou déficits em planos mistos e de benefício definido. Em seus cálculos, os atuários devem fazer muitas suposições relativas ao que se espera das experiências futuras do fundo de pensão ou do plano. Por “experiências”, entenda-se o retorno sobre investimentos dos ativos do fundo, aumento salarial dos funcionários, a rotatividade de empregos anteriores à aposentadoria, longevidade dos aposentados e pensionistas após a aposentadoria, inflação etc. Ainda que todas as suposições feitas pelos atuários sejam realistas e continuem sendo válidas por um longo tempo, sempre haverá alguma volatilidade no curto prazo. É impossível que todas essas previsões estejam absolutamente certas todos os anos. Por exemplo, os retornos sobre investimentos dos ativos não são igualmente regulares em um percentual anual. Haverá anos bons e anos ruins e, conseqüentemente, superávits e déficits.

O desafio consiste em avaliar se esses superávits e déficits são simplesmente resultados de uma volatilidade de curto prazo ou se têm implicações no longo prazo. A inevitabilidade das variações de curto prazo tem que ser compreendida e aceita. Sim, a situação precisa ser monitorada e algumas ações podem ser necessárias. Mas, não há razão para pânico no caso de um déficit de curto prazo e não há justificativa para a complacência quando ocorrer um superávit no curto prazo.

O desafio real é avaliar se o superávit atual ou déficit decorrem simplesmente desse tipo de volatilidade de curto prazo ou têm implicações maiores no longo prazo.  Se são superávits ou déficits recorrentes, então é preciso reavaliar se as premissas atuariais continuarão válidas no longo prazo. Cito duas suposições-chave neste sentido: retorno dos investimentos e longevidade dos aposentados (isto é, por quanto tempo os funcionários vão viver e receber benefícios após a aposentadoria). No primeiro exemplo, o excelente retorno dos investimentos no Brasil nos últimos anos significa que os fundos de pensão:
a) continuarão a obter este alto retorno por muitas décadas no futuro; ou
b) recuarão e ganharão o retorno previsto pelos atuários no longo prazo; ou
c) ganharão muito menos do que o previsto para o longo prazo (após o estouro da “bolha de investimentos”)?

Os cenários “a” e “c” demandam alterações nas premissas atuariais, mas em direções opostas e com implicações opostas. O grave erro cometido por vários países nos anos 90 foi o de assumir o cenário “a”, quando a realidade era “b” ou “c”.  Essa questão será tratada com mais detalhes nas respostas seguintes. Separadamente, a questão do aumento constante da longevidade dos aposentados é outro importante desafio para o Brasil e também será abordada nas próximas respostas.

Revista PREVI – De forma geral, essas situações são bem reguladas pela legislação de países com maior tradição em previdência complementar baseadas em regimes de capitalização?

Colin Pugh – A cobertura de déficits é “fortemente regulada” nesses países, mas ainda não está inteiramente claro se é “bem regulada”. Três importantes países do segmento de pensões (Holanda, Reino Unido e Estados Unidos) revisaram completamente a regulamentação sobre reservas dos fundos nos últimos anos. Irlanda e algumas províncias do Canadá também efetuaram mudanças importantes. Por diferentes razões, nenhum regulador estava confortável com as regras anteriores. Se as novas regras irão resolver suas preocupações – atingindo também os objetivos dos patrocinadores e dos participantes – ainda será testado. De uma perspectiva internacional, a mais importante observação neste momento é que esses países fizeram movimentos em direções completamente diferentes. Então, claramente não há consenso internacional sobre as melhores práticas para a chamada reserva mínima.  Seria útil para o Brasil rever os erros cometidos e as boas idéias geradas nesses outros países, mas isso deve ser feito sem ilusões.  A regulação perfeita para reserva mínima não existe, e cada país deve evoluir a seu modo. (A regulamentação sobre superávits será abordada numa resposta separada)

Revista PREVI – Quais são, na sua opinião, as melhores práticas ou a melhor regulamentação para tratar das situações de superávit?

Colin Pugh – Este é um tema bastante amplo, portanto só será possível destacar as principais questões. Em termos gerais, as melhores práticas deveriam começar pela prudência e talvez até mesmo um pouco de ceticismo diante de um aparente excesso de recursos do plano. Se o superávit cresceu muito rapidamente, existe a chance de que ele desapareça rapidamente também? Será que são somente flutuações de curto prazo, como as citadas na primeira pergunta? Simplificando, superávits obviamente acontecem quando os ativos superam o passivo do plano, mas é preciso olhar os cálculos de cada parte dessa equação.

Se os ativos do fundo são calculados a partir do valor atual de mercado (a abordagem mais comum), este valor está superestimado por alguma excitação temporária do mercado? Este valor atual mede apropriadamente a situação presente do fundo e sua estabilidade financeira de longo prazo ou está exagerado? Pode ser apropriado e nesse caso então não devemos temer usá-lo. Mas se o superávit foi gerado primariamente por alto retorno dos investimentos em um momento passageiro de aquecimento do mercado, a melhor prática seria apartar parte do superávit em uma reserva de contingência. Este tipo de reserva também é conhecida como reserva de  investimentos flutuante, provisão para desvios adversos, etc. O nome não é importante. O que importa é o conceito de apartar reservas nos anos bons que possam auxiliar a neutralizar os efeitos negativos de experiências ruins em alguns anos futuros.

O outro lado da equação, o cálculo das obrigações do plano, é mais complicado. Se as obrigações são calculadas usando premissas exageradamente otimistas, então este valor estará subdimensionado. Isso pode fazer com que o plano pareça estar superavitário, quando o verdadeiro superávit é menor ou igual a zero. Exemplos clássicos de premissas demasiado otimistas são: (i) os investimentos futuros continuarão a dar retorno nos mesmos índices elevados; e (ii) ou a utilização de tábuas de mortalidade que subestimam por quanto tempo os aposentados vão viver e receber seus benefícios. Essas duas preocupações são relevantes para o debate atual no Brasil.

No que diz respeito à melhor regulação dos superávits dos fundos de pensão, devemos admitir que muitos países têm leis, regulamentações e jurisprudências que dificultam a utilização flexível e construtiva dos superávits. Os limites máximos das reservas são geralmente estabelecidos pelas autoridades tributárias e seu objetivo primordial é assegurar que os fundos de pensão não serão utilizados para sonegação fiscal. Então, são definidos limites máximos para contribuições, benefícios e excesso de reservas. Os objetivos das autoridades tributárias podem conflitar com os objetivos dos reguladores da previdência, uma vez que estes últimos estão mais interessados em proteger os direitos dos trabalhadores valendo-se de boas reservas e até excesso de recursos.
 
Duas questões separadas precisam ser identificadas. Primeiro os limites superiores para constituição de reservas tradicionalmente impostos pelas autoridades tributárias em vários países é muito baixo, a exemplo de Canadá, EUA e Reino Unido. Por vários anos, o limite máximo no Reino Unido era de apenas 105% das obrigações. Se os ativos excedessem 105% do passivo, então todo o excedente tinha que ser utilizado em um período de cinco anos para reduzir contribuições ou melhorar benefícios. Caso contrário, o dinheiro tinha que ser retirado do fundo! Mas, muitos dos superávits eram apenas reflexo de supervalorização temporária dos ativos, e muitas decisões equivocadas foram tomadas no vigoroso mercado de investimentos dos anos 90. Esses mesmo fundos de pensão estão sem reservas agora – os superávits tornaram-se déficits. A imposição de limites máximos pelo governo não foi a única causa para o fiasco, mas foi o fator que mais contribuiu. O Reino Unido e os EUA alteraram sua regulamentação desde então e o Canadá está debatendo ativamente a possibilidade de mudanças.

A segunda questão diz respeito ao chamado tratamento assimétrico dado a déficits e superávits em muitos países. Há países e situações nas quais o patrocinador do plano é 100% responsável por arcar com os déficits do plano – por meio de contribuições adicionais do empregador – mas os superávits são considerados propriedade dos participantes do plano (os empregados) e devem ser gastos na melhoria dos benefícios. Apesar desse tipo de situação parecer favorecer aos participantes do plano, isso não é verdadeiro no longo prazo. Em um passo inicial, os empregadores aportam recursos no fundo de pensão em um nível mais baixo (por meio de menores contribuições do patrocinador), de modo a evitar futuros excessos de reservas. Um segundo, e mais dramático passo é o encerramento do plano, porque o empregador entende que os arranjos financeiros são unilaterais. No longo prazo, relacionamentos desequilibrados nunca funcionam.

Revista PREVI – Sabemos que não é possível prever com exatidão tudo que vai acontecer no futuro. Apesar das projeções adotadas pelos fundos de pensão, há sempre riscos imprevisíveis. Como os fundos devem tratar tais incertezas? Tal realidade recomenda uma postura forte de conservadorismo?

Colin Pugh – Fundos de pensão devem ser administrados prudentemente. Isso implica um grau de conservadorismo na definição das premissas atuariais e no cálculo das taxas de contribuição. Isso implica cautela no uso dos superávits e uma firme condução das situações de déficit. Entretanto, isso não implica um excesso de conservadorismo – apenas uma atitude prudente.

A pergunta também aborda riscos “imprevistos”. De certo modo, a maioria dos riscos associados à gestão dos fundos de pensão é imprevisível, mas existem ferramentas que devem ser usadas para reduzir essa imprevisibilidade. No que diz respeito aos riscos dos investimentos, os ativos do fundo podem ser aplicados de forma a diminuir a volatilidade sem prejudicar o retorno do investimento. Quanto à longevidade dos atuais e futuros beneficiários, a experiência atual do plano deve ser constantemente monitorada para identificar e projetar tendências. As premissas atuariais devem ser ajustadas de acordo, resultando em aumento da contribuição ou redução do benefício. Para o caso de riscos imprevisíveis ou catastróficos (como por exemplo, a morte simultânea de um grande número de empregados em um acidente, gerando muitas pensões por morte no plano), os fundos de pensão são aconselhados a contratar resseguro. Entretanto, isso partindo-se da premissa de que há um mercado de seguros competitivo no país ou que é permitido acessar o mercado internacional de seguros.

Revista PREVI – Em termos atuariais, quais devem ser as maiores preocupações para se chegar a um cálculo bastante seguro dos passivos dos fundos?

Colin Pugh – As duas principais preocupações já foram identificadas. A primeira é o uso de uma taxa de juros (taxa de desconto) excessivamente otimista para calcular as obrigações do fundo. Isso resultará em um passivo subestimado e dará impressão equivocada sobre as reservas do plano. A segunda é a longevidade – a presunção que muitos fundos de pensão fazem de que os futuros aposentados viverão o mesmo que os atuais aposentados ou como a maioria da população. Essas são previsões perigosas em países desenvolvidos e em economias em rápido desenvolvimento, e para planos de aposentadoria cujos membros estão entre os segmentos mais bem pagos e mais saudáveis da população.  Todas as outras hipóteses precisam ser monitoradas em comparação com a experiência em desenvolvimento, e alterações devem ser feitas quando for apropriado. 

Revista PREVI – O senhor conhece um pouco sobre a situação da previdência complementar no Brasil. Qual a sua opinião sobre o sistema brasileiro?

Colin Pugh – Eu estou impressionado com o sistema de previdência complementar no Brasil. Ele é altamente desenvolvido e tem uma longa e bem-sucedida história. O ambiente regulatório evoluiu naturalmente desde 1997 e especialmente com as Leis 108 e 109 de 2001 e as resoluções seguintes da CGPC. A clarificação da regulamentação em alguns aspectos ainda é necessária, e eu espero que isso aconteça sem cair na armadilha da regulamentação excessiva. A gestão dos investimentos é de alta qualidade, e continuará a evoluir e melhorar. Os gestores dos fundos estão constantemente acompanhando as melhores práticas em outros países. Se a competência dos atuários com os quais eu tive contato for representativa de toda essa categoria profissional, então o Brasil está bem servido também nessa área. Eu penso que um desafio para os atuários brasileiros, e para a regulação dos cálculos e recomendações atuariais, é uma compreensão e avaliação das práticas atuariais em outros países. Os países vizinhos na América Latina têm sistemas previdenciários inteiramente distintos e não são uma referência relevante nessas questões. Portanto, é importante olhar para a Europa e a América do Norte – apesar de reconhecer que vários desses países têm opiniões de tendência nacionalista e, às vezes, opiniões arrogantes sobre seus próprios sistemas de previdência.

Pessoal e profissionalmente, eu acho a cena brasileira de pensões fascinante. É de algum modo frustrante participar de forma tão distante do debate! Mais especificamente, os planos de previdência mistos no Brasil são particularmente interessantes para um estrangeiro. Um exemplo é a abordagem brasileira de como os planos de contribuição definida mantêm a obrigação do pagamento da renda após a aposentadoria. Outros países tradicionalmente exigem que as reservas de capital sejam transferidas após a aposentadoria para uma seguradora para a aquisição de pensão vitalícia anual. Isso implica em um mercado competitivo e vibrante de  anuidades, que não existe atualmente no Brasil e em muitos outros países. Diversos países importantes do Centro e do Leste Europeu estão discutindo ativamente a idéia dos fundos de pensão reterem a obrigação da anuidade vitalícia. Eu gostaria de criar um canal entre o Brasil e esses países para estimular o intercâmbio de idéias, preocupações e melhores práticas de gestão.

Revista PREVI – Recentemente, alguns fundos de pensão no Brasil acumularam superávits, o que colocou o tema na agenda de discussão dos órgãos reguladores, dos participantes e das empresas patrocinadoras. Que sugestões o senhor daria para este debate?

Colin Pugh – As respostas simples, e talvez superficiais, para essa pergunta são: Seja cauteloso! E aprenda como todos os terríveis erros cometidos por outros países durante a década de 90! O primeiro passo é estar absolutamente certo que os superávits são realmente tão altos quanto os cálculos atuais indicam. A SPC permite que as obrigações possam ser calculadas usando uma taxa máxima de juros reais (taxa acima da inflação) de 6% ao ano. Nos últimos anos, tem sido fácil para os fundos de pensão obterem taxas de retornos maiores do que essa para seus investimentos. Entretanto, é realista calcular as obrigações a partir da premissa de que as taxas de retorno sobre investimentos continuarão tão elevadas por décadas? Não é o caso de eu julgar, estou apenas levantando uma questão! O Brasil tornou-se um protagonista na economia mundial.. Uma taxa de juros reais de 6% ao ano é inconcebível nas chamadas economias desenvolvidas. Ela será sustentável no Brasil quando o País, brevemente, entrar para esse clube?  A PREVI já começou a utilizar uma taxa menor em seus cálculos e pode ter que fazer mais ajustes no futuro. As outras premissas usadas no cálculo das obrigações, mas especialmente as premissas envolvendo a longevidade dos aposentados, também têm que ser cuidadosamente examinadas antes de se concluir que o superávit é realmente tão alto quanto os cálculos atuais indicam.  

Se uma análise crítica dos cálculos dos ativos e das obrigações ainda revelar um substancial excedente de recursos, então as decisões sobre o que fazer com o superávit devem ser adotadas cuidadosamente. É ilógico, e geralmente ilegal, não fazer nada. O desafio é atuar de forma apropriada e sem comprometer a sustentabilidade do plano no futuro. Na América do Norte e na Europa Ocidental durante a década de 90, empregadores, empregados e seus sindicatos, governos e outros intervenientes quiseram grandes fatias do bolo. Não que a melhoria de benefícios, a redução de contribuições ou mesmo retiradas de ativos superavitários fossem erradas. Mas a escala com que foram feitas foi irresponsável. Elas também foram baseadas na falsa premissa de que os bons tempos continuariam para sempre, e que mais superávits seriam gerados no futuro. Esses fundos de pensão têm agora déficits substanciais, e sua existência está ameaçada.

Em suma, para o Brasil:

Primeiro, tenham a certeza de que vocês estão confortáveis com os cálculos que mostram grandes superávits. 

Então, com a certeza de que esses superávits realmente existem, pensem em constituir reservas de contingência contra o risco de resultados negativos futuros. Utilizem o superávit remanescente com sabedoria, de um modo prudente e construtivo. Melhorem a compreensão dessas questões-chave. Considerem todas as opções, e debatam suas vantagens e potenciais desvantagens, antes de chegar às decisões finais.

Boa sorte!  A maioria dos países já não pode mais se dar ao luxo de sequer discutir reservas excedentes. Tentem fazer um trabalho melhor do que eles fizeram quando tiveram superávits no passado!

09/07/2008
- infFPREVI -Número 150 - 04 de julho de 2008
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