Você decide: receber pensão ou aposentadoria

Ministro da Previdência, Carlos Gabas, defende o fim do pagamento acumulado de benefícios. Modelo, segundo ele, causa "distorções" e pode ser alterado sem mudança na Constituição. INSS registra deficit de R$ 2,77 bilhões em junho, valor 7,4% superior ao mês de maio
 
 Fim de benefícios duplos
  Ministério quer proibir o acúmulo de aposentadoria e pensão, ressuscitando iniciativa fracassada na administração FHC
 
 Vânia Cristino
 
  A aposentadoria concedida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não poderá mais ser acumulada com pensões. Se depender do ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, essa será uma das propostas que estarão sobre a mesa para mudar as regras de concessão dos benefícios previdenciários de forma a garantir a sobrevivência do sistema ao longo do tempo. "É evidente que existem distorções", admitiu o ministro ao anunciar ontem o resultado do INSS no acumulado do semestre. Na visão de Gabas, o país passa por uma conjuntura adequada para discutir o rombo nas contas, pois o emprego com carteira assinada bate recordes sucessivos e a arrecadação cresce, acompanhando o atual ciclo de desenvolvimento econômico.
  "Este é o momento de discutir sem paixão a alteração de regras que, muitas vezes, pode ser feita na legislação infraconstitucional, sem precisar mexer na lei máxima do país", observou. Segundo o ministro, a acumulação de benefícios contraria a boa técnica previdenciária, não sendo permitida na maioria dos países. Caso se concretize, essa não será a primeira investida do governo contra a superposição. A medida já foi tentada no passado recente. Durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, o ministério tentou impedir o pagamento simultâneo, dando a opção aos segurados de escolherem o de maior valor. A decisão, tomada de forma administrativa, foi derrubada na Justiça e a iniciativa foi revogada.
  Pelos dados do INSS, dos 23,1 milhões de benefícios pagos mensalmente, as aposentadorias por idade, invalidez e tempo de contribuição somam 15,332 milhões. A taxa de crescimento dos pagamentos previdenciários em 12 meses é de 3,2% – as aposentadorias aumentaram 3,8%. Atualmente, a pensão por morte é paga a 6,539 milhões de pessoas. O ritmo de expansão dessa rubrica é de 2,8%. O INSS não informou qual é o percentual de acumulação nem quanto essa "distorção" representa nas suas despesas mensais, que já ultrapassam R$ 19 bilhões.
  A acumulação de benefícios não é o único ponto que Gabas pretende atacar. Outro diz respeito à concessão de pensões. "É justo que alguém com 23 anos, bem posicionado no mercado de trabalho, ganhe uma pensão por toda a vida ao se casar com uma pessoa bem mais velha que pode até morrer no dia seguinte?", perguntou o ministro. Essa é uma situação extrema, mas que, segundo ele, pode ocorrer.  O ministro também defendeu a aproximação de regras entre o regime geral e o dos servidores públicos. Segundo ele, não é verdade que os servidores pagaram o tempo todo 11% sobre o salário integral para ter direito à aposentadoria pelo último vencimento, como argumentam representantes do funcionalismo. "Antes do Regime Jurídico Único, eles eram filiados do INSS e, portanto, pagavam 11% até o teto do salário de benefício e não pelo salário integral", esclareceu.
  Para evitar que esse descompasso continue – servidores recebendo aposentadorias equivalentes ao último salário e trabalhadores da iniciativa privada limitados ao teto, hoje de R$ 3.416,54 -, seria preciso aprovar a proposta enviada ao Congresso para criar o fundo de pensão do funcionalismo. Com ele, o governo só garantirá a aposentadoria para novos servidores até o teto do INSS. Quem quiser ganhar mais terá que contribuir para o fundo.
  Este é o momento de discutir sem paixão a alteração de regras que, muitas vezes, pode ser feita na legislação infraconstitucional, sem precisar mexer na lei máxima do país"
 Carlos Gabas, ministro da Previdência
 
 Deficit aumenta 7,4%
 
  A Previdência Social registrou em junho deficit de R$ 2,778 bilhões, 7,4% a mais do que o saldo negativo verificado em maio, que foi de R$ 2,586 bilhões. Nos primeiros seis meses do ano, as contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão no vermelho em R$ 22,832 bilhões. O resultado do semestre está pouco acima do registrado no mesmo período de 2009, que foi de R$ 22,572 bilhões. Os dados foram divulgados ontem.
  Segundo o ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, os números acumulados no ano ainda não contemplam a diferença a ser incorporada aos benefícios de valor superior ao salário mínimo, que começa a ser paga em agosto, tendo julho como referência. O governo tinha concedido às aposentadorias e às pensões mais altas reajuste de 6,14%. O Congresso inflou o reajuste para 7,72%, índice sancionado pelo presidente Lula. Só a disparidade custará R$ 1,6 bilhão este ano.
  Por conta desse reajuste maior, o ministério reviu a projeção de deficit para o ano, que estava em R$ 45 bilhões, para R$ 47 bilhões. Durante a divulgação dos dados, Gabas demonstrou preocupação com o nível da recuperação de crédito. Segundo ele, a Previdência tem mais de R$ 400 bilhões para receber e o índice de recuperação mensal está na ordem de R$ 770 milhões, considerado insuficiente.
  "O nível está até mais baixo que o do ano passado porque, para participar do novo parcelamento, que é mais favorável, é preciso fazer a consolidação do débito. Enquanto isso, as empresas devedoras pagam apenas R$ 100,00 por mês", explicou. Na estimativa oficial, a consolidação deve ser concluída até o fim do ano, com as empresas voltando a recolher a parcela correta em 2011.
  O ministro também admitiu que uma parte considerável da dívida ativa de R$ 400 bilhões não será recebida. "Esse volume se refere ao estoque. Nele, estão empresas que não existem mais ou que não têm como pagar a dívida", reconheceu. Para evitar o acúmulo do débito durante anos, ele disse que está em estudo no Ministério da Fazenda uma possível mudança da legislação para garantir a celeridade na cobrança. As atividades de arrecadar e ir atrás dos devedores saíram das atribuições da Previdência Social desde a criação da Super-Receita. (VC)
 Recorde no FGTS
  O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) arrecadou um valor recorde no semestre passado, com uma entrada líquida de recursos de R$ 5,862 bilhões. O volume inédito para os seis primeiros meses do ano representou um crescimento de 158,4% na comparação com igual período de 2009, segundo a Caixa Econômica Federal. O desempenho é resultado da elevação de 9,88% nas receitas brutas, que somaram R$ 29,779 bilhões, e da diminuição de 3,69% nos saques (R$ 23,918 bilhões). A quantidade sem precedentes de trabalhadores com carteira assinada no país, resultado da expansão econômica, elevou o número de contas do fundo para 32,470 milhões. O dinheiro recolhido pelas empresas é usado no financiamento da casa própria e em obras de infraestrutura.
 
 A maior ação social
 
 Gabriel Caprioli
 
  Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, apesar do alarde em torno do Bolsa Família, a Previdência é o maior programa social do governo federal e o que mais tem contribuído para a redução da pobreza. Sem o pagamento dos benefícios previdenciários e os repasses da União nas outras ações sociais, 40,5 milhões de pessoas estariam vivendo com menos de um quarto de salário mínimo, renda que as incluiria na faixa de extrema pobreza. Hoje, essa parcela da população chega a 18,7 milhões de brasileiros.
  De acordo com comunicado divulgado ontem pelo Ipea, que reúne dados de 1978 a 2008, os repasses do governo representam cerca de 20% do rendimento das famílias brasileiras e atingem quase 50% da população. O estudo engloba as transferências feitas por meio da Previdência e do Bolsa Família.
  Segundo o diretor de Estudos e Políticas Sociais do instituto, Jorge Abrahão de Castro, o incremento da renda via poder público é influenciado principalmente pela Previdência Social e atinge várias classes de renda. "Há uma mudança em todos os perfis (de orçamento). A rede de proteção não afeta apenas os mais pobres, mas todo o conjunto da economia", afirmou.
 Orçamento
  O peso da Previdência na complementação da renda fica mais explícito quando observadas as diferentes unidades da Federação. Nos estados do Nordeste, onde a renda é menor, a participação dos benefícios no orçamento familiar é maior. O Piauí é o estado com o maior percentual (31,2%), seguido pela Paraíba (27,5%) e por Pernambuco (25,7%).
  Estados com uma fatia maior de idosos na população também ocupam lugares de destaque na lista. No Rio de Janeiro, onde 10,2% dos moradores têm idade acima de 65 anos, 25,5% do rendimento das famílias são provenientes das transferências públicas. Na avaliação de Castro, o custo da manutenção dessa rede de proteção social é alto, mas segue a tendência de países desenvolvidos.
  "Estamos seguindo o que há de melhor e a sociedade está de parabéns em ter construído uma estrutura desse porte", considerou. Nos últimos meses, o Ipea tem divulgado estudos na área social, levantando a suspeita da Oposição de que o objetivo é ligar os números ao governo e a sua candidata à Presidência, Dilma Rousseff. (23/7)
 

 

 

26/07/2010
- Correio Braziliense
WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn