Uma máfia atua no mercado de próteses no Brasil, que movimenta R$ 12 bilhões por ano. Médicos chegam a prescrever cirurgias desnecessárias, colocando em risco a vida dos pacientes. Em troca, recebem das empresas que comercializam os implantes comissões que rendem até R$ 100 mil por mês. Em muitos casos, o esquema frauda documentos para obter liminares judicias que obrigam o SUS e planos privados de saúde a pagar por procedimentos superfaturados.
As ações criminosas foram escancaradas pelo repórter Giovanni Grizotti em reportagem exibida na noite deste domingo (4) no programa Fantástico. A apuração foi feita durante três meses, em cinco Estados. Para pilhar as transações ilegais, o repórter se fez passar por médico. Com uma câmera escondida, registrou uma impressionante sequência de propostas indecorosas. Mercadores de próteses oferecem às escâncaras comissões de 20%, 25%, 30%.
O repórter ouviu uma mulher que era responsável pela contabilidade de uma grande clínica em São Paulo. Ela falou sem exibir o rosto. “Aquilo ali parecia uma quadrilha. Uma quadrilha agindo e lesando a população”, disse, manuseando papeis. “Um exemplo que eu tenho aqui: R$ 260 mil de cirurgia, R$ 80 mil pra conta do médico. Tem uma empresa pagando R$ 590 mil de comissão pro médico no período aqui de seis meses.”
As empresas que repassam dinheiro aos médicos por baixo da maca, normalmente em espécie, utilizam um mecanismo manjado para tentar ludibriar o fisco. Pedem aos médicos que assinem contratos de consultoria. Assim, podem lançar as comissões na contabilidade como se fossem despesas lícitas.
Diretor de um hospital de Porto Alegre por 14 anos, o médico Alberto Kaemmerer disse ter criado um grupo para revisar os pedidos de cirurgia. “A cirurgia mal indicada, ela acresce um risco muitíssimo importante. Risco de morte”, afirmou. O grupo revisor rejeitou, por desnecessárias, pelo menos 35% das cirurgias de próteses.
Deu-se coisa parecida em São Paulo, no Albert Einsten, uma das mais prestigiadas casas hospitalares da América Latina. Ali, uma equipe médica perscrutou durante um ano os pedidos de cirurgia de coluna encaminhados por médicos credenciados num determinado plano de saúde. Cláudio Lottenberg, presidente do Einstein, relatou: “Nós recebemos aproximadamente 1,1 mil pacientes no período de um ano. E desses, menos de 500 tiveram indicação cirúrgica. Então, muito possivelmente, estava havendo um exagero em relação a essas indicações.”
A reportagem exibiu casos de clientes do SUS que, após mofar na fila à espera de cirurgias de próteses, foram encaminhados pelo médico a um escritório de advocacia. Que se incumbiu de requerer liminar judicial, anexando à petição orçamento superfaturado.
No Rio, a Polícia Federal farejou um caso do gênero, que resultou em prejuízo de R$ 7 milhões ao plano de saúde dos Correios. Flagrado, João Maurício Gomes da Silva, um ex-assessor da Diretoria Regional dos Correios, firmou um acordo de delação premiada. E abriu o bico:
“Aquela empresa que, teoricamente, dizemos que era parceira, ela apresentava, já vinham com duas ou três orçamentos montados. Então, sempre determinando quem estaria levando naquela determinada cirurgia, quem seria a beneficiada.” O delator citou um caso em que uma cirurgia que deveria ter custado no máximo R$ 200 mil, roçou a casa de R$ 1 milhão.
A exposição de mais essa máfia informa ao contribuinte que há na praça outra vereda do crime rumo ao bolso dos brasileiros. Só no SUS, realizam-se anualmente 7 milhões de cirurgias para o implante de próteses. Sem saber que estava sendo gravado, um empresário de São José do Rio Preto, cidade do interior paulista, disse ter montado duas empresas de fachada para “concorrer” com a sua.
Registradas em nome de dois funcionários, as firmas de fancaria elaboram orçamentos fictícios, simulando uma disputa. E os servidores que ajudam a praticar a fraude credita-se de uma propina de 25%. A certa altura o repórter abre o jogo para o tal empresário, revelando que preparava uma notícia sobre o tema.
Antes que a ficha lhe caísse e ele começasse a negar o que acabara de afirmar, o tal empresário perdeu, por assim dizer, o rebolado. “Nós somos do Fantástico e o senhor admitiu a prática de vários crimes”, afirma o repórter, na lata. E o empresário, fazendo semblante de surpresa: “Olha, né… Brasil, né… todo mundo pega essa situação de querer alguma coisa no que produz. Então, isso o Brasil inteiro está assim.”
De fato, não há mais para onde virar. Para do lado que se olhe, o que se verifica é que “o Brasil inteiro está assim.”