Naturalmente, a fase inédita da aposentadoria pode colocar em xeque valores, hábitos e, além de causar impactos para o aposentado, pode gerar implicações para toda a família.

Jacqueline Silveira, psicóloga e coordenadora do Ibmec Carreiras de Minas Gerais, comenta que as pessoas, em sua maioria, não se programam para se aposentar, o que pode provocar impactos negativos no âmbito familiar.

Novas identidades

"Quem tem planos terá prontamente nova rotina. Muitos esperam ansiosos pelo momento da aposentadoria, mas quando se veem sem ter o que fazer 24h do dia rapidamente ficam angustiados. Organizar e planejar a aposentadoria é fundamental, seja com investimento em ampliação do conhecimento, atividades físicas, trabalhos voluntários, lazer etc. Ir atrás de novas identidades minimiza desgastes familiares", comenta Jacqueline.

Para a professora, o que ocorre é que as pessoas não se prepararam para aposentar e, de repente começam a conviver com os familiares em novo formato, por mais tempo, sem as novidades do trabalho e sem um papel definido.

"A geração de 50 a 60 anos sofre mais, pois foi educada a acreditar que só o trabalho tinha valia. Os jovens valorizam o trabalho, mas não abrem mão de qualidade de vida, por exemplo. Nesse sentido, os familiares mais jovens podem ajudar incentivando, seja a mãe ou pai, ou quem quer que seja, a estudar, delegar tarefas domésticas que o aposentado até então não participava ou estimular a cuidar da saúde", afirma.

Preconceitos devem ser deixados de lado

Com a maior longevidade, aposentados jovens são uma realidade recente. Todos estão aprendendo a lidar com esse novo cenário. Jacqueline explica que substituir o status social que o trabalho ocupa não é uma tarefa fácil. Um dos desafios é deixar preconceitos de lado e entender que tarefas, além do trabalho, são tão ou mais importantes para o bem-estar da pessoa e da família.

"Escolher é essencial. O aposentado pode optar por continuar com alguma atividade de trabalho, investir em si sem a desculpa da falta de tempo ou assumir tarefas domésticas. A nova fase vai demandar tolerância de todos", afirma Luís Monteiro, coordenador nacional do curso de psicologia do Grupo Estácio. Os ajustes de convivência serão necessários e, às vezes, levam um tempo.

"Os familiares precisam ter consciência de que o aposentado passa por uma mudança de rotina impactante. A interação social, os amigos, as pessoas que se remetiam ao aposentado, as demandas e os horários deixam de existir. Apesar de ser algo anunciado, o aposentado muitas vezes tem a sensação de que a aposentadoria chegou de um dia para o outro e, se reinventar repentinamente pode parecer assustador", analisa Monteiro.

Choque

Na nova rotina, até mesmo situações simples, como decidir que horas o almoço vai sair, podem gerar choques. Em função desses atritos, Monteiro diz que o aposentado, muitas vezes, se isola.

"O isolamento é natural. É um momento de absorver as mudanças. O que pode ocorrer é o prolongamento dessa etapa, pois aí o aposentado corre o risco de entrar em depressão. Todos da casa devem ter a clareza de que a produção não acabou e, sim, modificou. Novos papéis serão estabelecidos", diz.

O coordenador afirma que a família tem papel fundamental para minimizar os impactos da aposentadoria e fazer desse momento uma fase tranquila. Para ele, é importante que a família mostre sempre que possível que o aposentado tem valor em outras funções, respeite o período de adaptação da nova fase e estimule novas identidades. Filhos, por exemplo, podem solicitar ajuda, incentivar cursos, viagens e saídas, mas sempre respeitando o gosto de cada um.