Contribuição compulsória: aposentados são descontados sem saber e sindicatos faturam milhões por ano

Geralda Doca

BRASÍLIA – O desconto da mensalidade sindical sobre a aposentadoria, feito diretamente na fonte pela Previdência Social, virou uma mina de ouro para os sindicatos. Só em junho, 11 entidades conveniadas ao INSS embolsaram R$ 21 milhões (o equivalente a R$ 252 milhões por ano). O montante provém de 2,167 milhões de aposentados que, todo mês, têm até 2% do benefício descontados no contracheque. A lei que trata do pagamento da aposentadoria permite a retenção desses valores desde que expressamente autorizada pelo segurado, o que não está sendo cumprido.

O desconto é acertado com o Ministério da Previdência pelos próprios sindicatos, que enviam a lista de quem deve ter a contribuição deduzida do benefício. Mas boa parte dos segurados sequer sabe que está pagando a mensalidade. Isso porque os inativos não recebem cópia do contracheque, que só fica disponível na internet. O desconto indevido só é devolvido em caso de reclamação.

Ainda assim, com apoio do governo, as entidades conseguem dificultar a vida dos aposentados que desejam parar de pagar a mensalidade. Numa visita do ministro da Previdência, Carlos Gabas, à sede da Confederação Brasileira dos Aposentados (Cobap), na última quarta-feira, ficou decidido que o interessado precisa ir até o sindicato ou associação para pedir o cancelamento pessoalmente. Não poderá mais fazê-lo no banco onde recebe o benefício.

Entretanto, o próprio INSS sabe que existem problemas, pois, a cada auditoria realizada semestralmente, 1% das amostras analisadas é irregular. A constatação dispara o alerta de que milhares de aposentados podem estar sendo lesados. Foi o que aconteceu com o bancário aposentado Carlos Jorge Guimarães. Ao receber a aposentadoria da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) de fevereiro, ele percebeu que o valor oriundo do INSS estava menor. Contou que havia dois descontos, de R$ 23 cada, a favor da CUT, referentes a janeiro e fevereiro.

Ao ligar para a Previdência, foi orientado a procurar um posto do INSS. No posto, disseram-lhe para ir até a sede da CUT, onde funciona o Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sintapi), para pedir o reembolso e o cancelamento do desconto. Mesmo tendo cumprido esse processo, contou, o desconto continuou em março:

– Estranhei o desconto, achei que era para campanha política. É uma malandragem, pois muita gente nem percebe porque não recebe o espelho do pagamento – afirmou Guimarães.

O presidente do Sintapi, Epitácio Luiz Epaminondas, o Luizão, alegou que a entidade está em campanha de filiação e atribuiu o desconto indevido a erros de digitação, que prejudicaram 65 aposentados, segundo ele, desde fevereiro.

– Quanto mais rápido digitar, mais cedo chega o desconto. A conferência não foi bem feita, mas devolvemos o dinheiro para quem reclamou, sem nem discutir. Não interessa para nós nem para ninguém que essa história cresça – disse Luizão.

Uma das explicações para o desconto seria a campanha das entidades sindicais pelo reajuste do salário mínimo. O sindicalista nega. Mas, segundo o INSS, por conta do aumento do mínimo, o valor repassado aos sindicatos aumentou. Em dezembro de 2008, esse valor foi de R$ 16,720 milhões. Passou para R$ 19,040 milhões em dezembro de 2009.

Sindicalista admite atos de má-fé

João Inocentini, presidente do Sindicato Nacional de Aposentados (Sindinap), ligado à Força Sindical, admitiu que erros acontecem:

– Às vezes, o aposentado autoriza o desconto e depois esquece, mas há também atos de má-fé – disse Inocentini, sem dar detalhes.

O presidente da Cobap, Warley Martins, tem a mesma opinião. Atendentes do próprio INSS parecem estar familiarizados com o problema, como foi constatado pelo GLOBO ao ligar para o número 135. Ao ser informado da queixa, o atendente aconselhou o repórter a procurar um posto de atendimento ou ir até o sindicato para cancelar o “vínculo”.

A mesma orientação foi dada ao se entrar em contato com a Ouvidoria-Geral. Gerentes das agências contam que muitos aposentados vão ao INSS com outros tipos de queixa, como empréstimo consignado, e acabam descobrindo o desconto indevido. O problema é maior nas cidades do interior.

– Eles acham que é alguma taxa que vai para o governo – disse um gerente de agência do INSS de Brasília, que preferiu não se identificar.

O presidente do INSS, Valdir Simão, informou que vai investigar as ocorrências envolvendo o Sintapi. Ele reiterou que os convênios são legais e que são feitas auditorias a cada seis meses para verificar se as entidades têm a ficha assinada pelo associado autorizando o desconto.

Parlamentares que atuam na defesa de aposentados, como o senador Paulo Paim (PT-RS) e o deputado Gilmar Machado (PT-MG), disseram desconhecer o desconto das mensalidades na folha. Paim disse, porém, que convocará as entidades para tratar do assunto em audiência pública.

– A legislação tem que ser cumprida. A entidade não pode descontar de forma direta e arbitrária – destacou o senador.

– Acho que está se precisando fazer ajustes nessa legislação – emendou o deputado. (21/07)

 

22/07/2010
- O Globo
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