BVA: Operação afeta mais de 70 fundos

BVA: Operação afeta mais de 70 fundos

 Entidades investiram R$ 2,7 bilhões em papéis lastreados por operações de crédito realizadas pelo banco Instituição cresceu 17 vezes em seis anos; ativos saltaram de R$ 430 milhões para R$ 8 bilhões Mais de 70 fundos de pensão de empresas estatais e de prefeituras de todo o país correm o risco de perder a maior parte dos R$ 2,7 bilhões que investiram na compra de papéis lastreados por empréstimos originados no Banco BVA, em processo de liquidação desde agosto. 

O investimento dessas entidades nesse tipo de papel é o dobro do que era conhecido até agora, segundo levantamentos feitos depois que a instituição passou à tutela do Banco Central e aos quais a Folha teve acesso. 

Entre os bancos pequenos e médios, o BVA foi um dos que mais atraiu os fundos de pensão. As entidades o ajudaram a ter um crescimento relâmpago. Em seis anos, seus ativos aumentaram 17 vezes: de R$ 430 milhões, em junho de 2006, para R$ 8 bilhões, em junho de 2012. 
Para captar os recursos dos fundos de pensão, o banco vendia títulos lastreados nos empréstimos que concedia, conhecidos no mercado como direitos creditórios. 
Funcionava assim: o banco financiava empresas e depois transformava a operação num título, que era vendido a investidores. 
Quase metade desses papéis, R$ 1,3 bilhão, foi vendida diretamente aos fundos de pensão. Os maiores compradores foram a Petros (dos funcionários da Petrobras), o Postalis (Correios) e a Refer (Rede Ferroviária Federal). 
O outro R$ 1,4 bilhão foi negociado com fundos de investimento ligados ao BVA e que tinham os fundos de pensão como cotistas. 
Nesse grupo estavam não só as entidades ligadas às estatais, mas também os institutos de previdência de 59 municípios e dos governos estaduais de Tocantins e Roraima. 
Nessa ciranda, aparecem cidades do porte de Campinas (SP), Manaus (AM) e Joinville (SC), e entidades de pequenos municípios como Serra (ES), Palhoça (SC) e Bom Jesus dos Perdões (SP). 
PERDAS 
Nas avaliações de técnicos que destrincharam as operações do BVA, uma parte significativa dos empréstimos que lastrearam os papéis vendidos no mercado foi concedida a empresas com pouca condição de honrar os pagamentos. 
Várias não tinham crédito com os grandes bancos. Por isso, aceitavam pagar juros mais elevados no BVA. 
Nesse tipo de investimento, quando o devedor não paga, a conta estoura na mão de quem comprou o título. Para se prevenir, os investidores costumam exigir que o banco honre o compromisso, uma "trava de segurança" conhecida como coobrigação. 
Nas operações do BVA, só 15% tinham esse tipo de garantia, segundo especialistas que avaliaram o banco. 
"Estamos enfrentando um grande prejuízo, apesar de todas as regras que criamos após a quebra do banco Pan-Americano [2010] para proteger esses fundos", diz Leonardo Rolim, secretário de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência. 
No fim de 2013, o BC obrigou os fundos de investimento a lançar em balanço as perdas decorrentes dos atrasos de pagamento desses títulos. Rolim, da Previdência, espera que os fundos de investimento em que prefeituras e Estados aplicaram consigam recuperar pelo menos parte das aplicações. 
Mas as chances não parecem grandes. No ano passado, o liquidante do BVA, Valder Carvalho, fez um leilão para tentar vender trinta operações de crédito do banco. 
Seria um teste para avaliar as chances de recuperação da carteira. Como os interessados pediram descontos que passaram de 70%, o liquidante desistiu. Procurado, Carvalho não quis se pronunciar. 
Profissionais que tiveram acesso aos empréstimos da instituição calculam que mais da metade da carteira esteja na categoria de "difícil recebimento". 
OUTRO LADO 
Ivo Lodo, ex-presidente do BVA, não quis se manifestar. A reportagem também procurou as dez entidades de previdência com maior exposição aos papéis do banco (veja quadro nesta página). 
Cinco delas (Postalis, Geap e os fundos de Tocantins, Manaus e Macaé) não responderam até a conclusão desta edição. Os representantes do Refer e do fundo de Roraima não foram localizados. 
Por meio de sua assessoria, a Petros informou que não investiu diretamente no BVA. Seus recursos foram para fundos que tinham direitos creditórios "emitidos por empresas de médio porte". 
A Faceb, dos funcionários da Companhia Energética de Brasília, confirmou ter aplicado em "títulos estruturados pelo BVA, oferecidos pelo próprio banco", e que uma parte está inadimplente. 
Sergio Miers, gerente do Ipreville, da Prefeitura de Joinville (SC), disse acompanhar a situação com cautela. 
Prefeituras cobrirão perdas com recursos do Orçamento 
As 63 prefeituras e os governos de Tocantins e Roraima terão de aumentar suas contribuições aos fundos de pensão de seus funcionários para cobrir os buracos deixados pelas aplicações em empréstimos originados no BVA. 
Segundo Leonardo Rolim, secretário de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência, o valor das contribuições sobe neste ano e fica no novo patamar até que as perdas sejam cobertas. 
O índice de aumento será calculado de acordo com a necessidade de cada fundo. 
"Com as perdas contábeis, faltarão recursos para as aposentadorias. A única forma é elevar a alíquota [de contribuição]", disse Rolim. Ainda segundo ele, esse dinheiro sairá do Orçamento das cidades, que terão menos dinheiro para investir. 
Em Tocantins, por exemplo, a contribuição extra vai elevar o gasto com o funcionalismo a ponto de comprometer o teto da Lei de Responsabilidade Fiscal. 
O Igeprev, que administra a aposentadoria dos servidores do Estado, tinha R$ 43 milhões aplicados em empréstimos do BVA, por meio de fundos de investimento. Procurado, o Igeprev não respondeu até a conclusão da edição. 
No município de Serra (ES), que tinha R$ 10,9 milhões em fundos lastreados em papéis originados no BVA, os gestores foram afastados e respondem a uma ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Estadual. 
"As perdas apuradas chegam a quase 50%", disse Alexandre Viana, atual presidente do IPS, o fundo dos funcionários da prefeitura. 
Segundo ele, que conduz uma auditoria nas contas do fundo, boa parte dos "investimentos ocorreu quando já se sabia que o índice de Basileia [uma referência da saúde financeira de um banco] era de 9,5%", abaixo dos 11% para que uma instituição seja considerada confiável. 
RIGOR 
O episódio do BVA chamou a atenção do Ministério da Previdência, que, no fim do ano passado, passou a obrigar os fundos de pensão municipais e estaduais a criar comitês de investimento. 
Esse novo departamento deverá cuidar do dia a dia das aplicações. De acordo com o ministério, hoje, a maioria das entidades só tem conselhos de administração, que decidem as políticas de investimento, e não cada aplicação isoladamente. 
Quem não se enquadrar não poderá receber repasses de recursos da União nem financiamentos de instituições financeiras públicas e estrangeiras, como o Banco Mundial. 
ANÁLISE 
Diversificação é recomendável, mas prudência é essencial 
Combinar a rentabilidade da aplicação com a segurança de embolsar o rendimento pactuado é a preocupação de todos que resolvem poupar para a aposentadoria. 
Gestores profissionais de patrimônio têm um desafio adicional. Como administram recursos cujo objetivo é formar uma reserva para garantir a aposentadoria futura de milhares de trabalhadores, precisam equilibrar o retorno esperado da carteira com o fluxo de pagamentos previstos para quitar os benefícios programados. 
Na essência, a ideia é simples. Quanto maior o valor da aposentadoria, maior deverá ser o montante acumulado durante os anos de trabalho. 
Os gestores de fundos de pensão e previdência buscam equilibrar o fluxo de todas as contribuições ao longo do tempo com o total dos gastos com benefícios futuros. 
O valor da aposentadoria depende do esforço de poupança do trabalhador e da taxa de juros que o gestor conseguir para os investimentos. Esse é o fundamento de todo plano de previdência, mas que muitas vezes não fica claro para o participante. 
Nos fundos de aposentadoria do tipo benefício definido, o patrocinador garante o valor das aposentadorias. Eventuais deficit são administrados pela instituição responsável pelo plano. É o caso da maioria dos fundos de pensão e de todos os RPPS (regimes próprios de previdência social) que investiram em ativos originados pelo BVA. 
Os prováveis prejuízos serão cobertos pelas empresas patrocinadoras dos planos ou por Estados e municípios. 
Ao que tudo indica, a lógica do investimento em papéis do banco foi diversificar a carteira para conseguir retorno mais elevado. E a justificativa foi a queda das taxas de juros devido ao aumento da estabilidade da economia. 
Em alguns casos, a concentração foi maior do que a média do mercado. Segundo informações do Ministério da Previdência, são cerca de R$ 3,5 bilhões de recursos investidos em fundos de direitos creditórios e de crédito privado, modalidades mais arriscadas nas quais se enquadram os títulos do BVA. 
Em relação ao total dos RPPS, o montante representa 5% dos investimentos em renda fixa. Os institutos de Manaus, Rolim de Moura (RO) e Senador Canedo (GO), por exemplo, investiram mais de 10% das carteiras no BVA. 
Diversificação das aplicações é sempre recomendável, mas a prudência na gestão dos recursos de milhares de trabalhadores é essencial para o equilíbrio do sistema de previdência no longo prazo.    (DAVID FRIEDLANDER e  JULIO WIZIACK, com análise de MARCELO D"AGOSTO – Folha de S.Paulo-19.01)


 

 

 

 

20/01/2014
- Folha de S. Paulo
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