Saem de cena os gestores que compram empresas brasileiras pelo selo de boas pagadoras e entram, com lupas, os que buscam oportunidades. O rebaixamento das notas de crédito do Brasil e consequentemente de companhias locais chancelou o mau humor dos investidores globais com títulos e ações. A fuga pequena em um primeiro momento, tanto da bolsa quando do mercado de dívida, mostrou que grande parte das posições no país já tinha sido desmontada com base nas expectativas. Com a tacada final, gestores brasileiros de ações e crédito privado começam a enxergar no horizonte oportunidades de compra. Somente, entretanto, para quem tem estômago.
"É um marco", diz Roberto Vinhaes, responsável pelo escritório londrino da gestora brasileira especializada em ações IP Capital Partners. "Depois que todo mundo que está no Brasil porque o mandato obriga vende, vêm os desbravadores", completa. Acontece que enquanto a saída é rápida, diz, a volta depende de sinais de mudanças no cenário doméstico.
Aos poucos a imagem do Brasil passa de patinho feio dentre os ativos de qualidade a oportunidade em meio a papéis de alto risco. "O pessimismo é tão grande em relação ao Brasil que nos parece que os investidores estão mais perto de apertar o botão para comprar do que para vender", diz Mohamed Mourabet, diretor de investimentos da Victoire, gestora brasileira dedicada a ações. O contexto estimula um espírito "contrarian", diz, em referências aos investidores que vão contra a manada a fim de encontrar oportunidades.
Para os estrangeiros, que respondem por 75% do patrimônio sob gestão na Victoire, a bolsa caiu 70% nos últimos 12 meses, considerando preços em dólar. "Então ele não vai entrar em uma manada e querer sair agora", afirma o gestor.
Em crédito privado o sentimento de oportunidade dos gestores brasileiros é ainda mais aguçado, principalmente nos mercados externos, onde o estresse com Brasil tem engordado os retornos. "Já existem prêmios de risco interessantes nos bonds corporativos", diz Leonardo Ono, gestor de crédito privado da Kondor Invest. "Porém é essencial para os investidores fazer uma boa análise de crédito", completa. Muitas empresas com passivo em dólar sem proteção, diz, podem sofrer se o real continuar se desvalorizando.
Os gestores globais já vinham reduzindo o risco em Brasil, diz Jean-Pierre Cote Gil, gestor de portfólios de crédito privado da Western Asset, mesmo que o Brasil ainda se enquadrasse em grande parte dos mandatos. Cote Gil, que já foi diretor da área de finanças estruturadas da S&P na América Latina, diz que a permanência dos títulos de um país em um fundo costuma estar atrelada a um critério de média dos ratings ou de grau de investimento por duas agências de avaliação de risco. Os gestores, entretanto, não devem esperar pelo próximo corte de braços cruzados. "O gestor não quer chegar na situação de todo mundo tentar vender junto. A porta vai ficar menor e ele vai fazer negócios piores", afirma.
É por essa antecipação que os prêmios já estão em patamares elevados, diz Cote Gil. "Os bonds brasileiros lá fora já vinham negociando em níveis mais estressados, até ultrapassando um nível de rebaixamento", afirma.
Um efeito esperado pelo gestor de crédito da Western é que as empresas rebaixadas acessem mais o mercado de crédito local, já que a exigência de prêmio pode ficar alta demais no caso da captação fora, que vinha sendo muito usada. As empresas que tinham classificação BBB-, última nota do grau de investimento, e caíram para grau especulativo são candidatas naturais a essa virada doméstica, diz. Um rebaixamento do tipo foi promovido pela S&P, já no dia seguinte ao ajuste para Brasil, nos casos de Eletrobras, Neoenergia, Taesa, Comgas, Arteris, CCR, Santos Brasil, Coelce e Elektro.
"O aumento do número de ofertas e a diversidade de emissores pode ser interessante para nós que fazemos gestão de fundos de renda fixa", diz o gestor. É um universo a ser desbravado com cautela, ressalva, já que o nível de liquidez e consequente marcação a mercado são piores no cenário doméstico.
A tarefa dos gestores agora é diferenciar os prêmios exagerados dos que apenas refletem riscos reais. No caso de Petrobras, que teve o rating cortado pela S&P na semana passada, Cote Gil aponta que os prêmios tendem a não refletir o fato de o risco de crédito ser muito alinhado com o soberano, dado o provável suporte estatal à companhia caso necessário. "Como não existe uma garantia formal, o mercado, olhando só para a operação de Petrobras, cobra um prêmio mais alto", diz. Por conta da falta do selo, a estatal não deve ter como escapar de pagar ao redor de 2 pontos percentuais acima do retorno dos títulos soberanos para captar via debêntures no mercado doméstico. A esse nível de prêmio, Cote Gil acredita que há público doméstico para os papéis de Petrobras, ao menos para um prazo curto, de até cinco anos.
No mercado externo, os bonds da Petrobras já são negociados com 7,5 pontos percentuais de prêmio sobre a curva que reflete as expectativas para os juros americanos, aponta Cid Oliveira, gestor de crédito e renda fixa global da XP Investimentos. "Isso é muito alto. Pode fazer sentido para quem tem estômago", diz.
A redução na capacidade do mercado para absorver novas emissões brasileiras é óbvia, segundo Oliveira. E, para ele, isso não depende da atitude das outras agências de avaliação de risco em relação ao país. "Hoje os preços já refletem um segundo rebaixamento", diz. Por outro lado, considera, os prêmios mais fartos começam a atrair outro público, ainda que menor: o investidor de "high yield" e "distressed", ou seja, aquele que está disposto a correr mais risco desde que o retorno compense. É o caso de Petrobras, considera, à medida que o prêmio para a empresa aproxima-se de dois dígitos.
Ainda não é hora de colocar todas as fichas no mercado de crédito, mas é o momento de começar a colocar a cabeça para trabalhar, diz Oliveira. "Já tem retornos bons em empresas que vão sem dúvida sobreviver para quem tem cabeça de médio e longo prazo e vai levar o papel a vencimento", defende.
Além de Petrobras, os gestores citam títulos de crédito de exportadoras, especialmente do setor de papel e celulose, e os bancos como possíveis oportunidades. Itaú, Santander, Bradesco, Banco do Brasil e Caixa estão entre as instituições financeiras que tiveram a nota de crédito rebaixada pela S&P na esteira da perda do grau de investimento pelo país.
Para ter mais convicção em ir às compras, os gestores brasileiros em geral ainda estão no aguardo de algum sinal de melhora na política brasileira. Alguns deles citam a esperança de que o rebaixamento – e a pressão de um ajuste na nota por outras agências de avaliação de risco – crie um senso de urgência. "Que os preços estão cada vez mais convidativos não tenho dúvida. Saber se é uma oportunidade de compra vai depender um pouco da resposta do governo", diz Rafael Zlot, sócio e gestor de crédito do Brasil Plural.
O Brasil agora é avaliado pelo mercado em situação pior do que países como Colômbia, Rússia, Egito, Chipre, Turquia e Cazaquistão, alguns deles às voltas com crises políticas sérias, pondera André Leite, sócio da gestora de patrimônio Tag Investimentos em carta aos investidores. "Sem sombra de dúvida um exagero somente explicado pelo stress político, que acreditamos estar entrando em seus últimos capítulos", considera. "Em resumo, trata-se de uma bela oportunidade de compra, mesmo dentro do nosso novo universo de high yield", conclui.