Funcionários da BR Distribuidora relataram à Folha que sofrem pressão para aderir a um programa de demissão voluntária. Segundo eles, a empresa afirma que os funcionários hoje ganham mais que a média do mercado e que quem decidir ficar poderá ser demitido ou ter remuneração reduzida. A companhia, recém-privatizada, não informa qual deve ser o tamanho no corte do rendimento.
O chamado PDO (Plano de Desligamento Optativo) foi lançado pela distribuidora no dia 12 de novembro com prazo inicial para adesão dos funcionários até esta terça-feira (19). Depois de problemas técnicos da empresa, o prazo foi estendido para 21 de novembro.
Nesta terça-feira (19), a juíza Gabriela Cavalcanti, da 67ª Vara do Trabalho do Rio, concedeu uma decisão liminar que suspende o prazo de inscrição do programa.
O plano faz parte de uma reestruturação das operações da BR após a privatização e, segundo o Sitramico (sindicato da categoria), tem por objetivo achatar os salários.
Os empregados afirmam que há pressão da direção atual para que os funcionários concursados,
que têm salários maiores, saiam da empresa.
Procurada, a BR Distribuidora afirmou em nota que, “como empresa privada, busca constantemente a trabalhar com as melhores práticas e alto padrão de qualidade, totalmente alinhada aos interesses de seus acionistas”. A companhia não informou quantos funcionários deseja demitir e acrescentou que “algumas informações estratégicas são reservadas”.
A BR Distribuidora deixou de ser uma subsidiária da Petrobras após uma venda de ações em Bolsa, concluída em julho. A empresa deixou de ter um controlador, mas a Petrobras ainda é a acionista com maior fatia da empresa —41,25%.
Em comunicados aos seus cerca de 3.000 empregados, a BR disse que poderá encerrar o PDO antes do prazo se atingir sua meta de demissões, não revelada. O Sitramico estima que 1.000 pessoas já tenham aderido ao plano.
A distribuidora também tem afirmado que os salários atualmente pagos pela distribuidora são, em média, entre 30% e 40% maiores que os do mercado.
O presidente da empresa, Rafael Grisolia, disse em teleconferência aos funcionários que eles só saberão se terão lugar na nova estrutura da empresa após o prazo de adesão ao PDO. Afirmou ainda que poderá haver demissões após o plano e que quem permanecer na empresa deverá ter sua remuneração adequada aos patamares de mercado.
Em uma das palestras que deu para explicar o PDO, Grisolia foi questionado se quem trabalha na BR saberá qual será sua nova função a tempo de decidir se optará pelo PDO. O áudio foi obtido pela
Folha.
“Não. (…) Eu estou te fazendo algumas propostas aqui. A BR é privada, já dei uma indicação
que as faixas salariais estão 30% a 40% acima, então teu salário a mercado está muito alto. A gente está fazendo outra visão, vai ter remuneração mais variável, vai ter metas, gente cobrando (…). Só queria deixar muito claro que o que a gente vier a oferecer não vai ser o que é hoje, porque hoje não é mercado. (…) Faz uma reflexão primeiro se você se imagina nessa BR e nessa situação, não é muito difícil”, disse o presidente da BR.
Em sua fala, Grisolia afirmou também que o novo organograma da BR extingue cargos e que os convites para profissionais que vão ocupar posições de chefia na nova estrutura começaram a ser feitos.
Antes da reestruturação, a empresa teve lucro líquido de R$ 2,11 bilhões nos nove primeiros meses deste ano, 33% a mais do que o registrado no mesmo período de 2018.
A reportagem ouviu sete funcionários de diferentes áreas e que atuam em regiões diferentes do país. Desses, apenas dois decidiram permanecer na BR. Seus nomes neste texto são fictícios para preservar suas identidades.
Bruna trabalha na área administrativa e diz que a adesão tem sido massiva devido ao medo dos funcionários de serem demitidos imediatamente após o PDO, caso não optem pelo plano.
Nesse caso, os demitidos não teriam os benefícios oferecidos pelo plano, como uma indenização de 75% de salário mensal por ano trabalhado.
A funcionária, que vai sair da BR, diz que o clima de trabalho nos últimos dias é de tensão e choro.
Ela afirma que os últimos planos de demissão voluntária foram direcionados a um grupo específico de funcionários como os aposentados, e que sempre deram meses para os profissionais aderirem. O PDO, ao contrário, deu nove dias de prazo e é voltado a todos os empregados.
Francisco trabalha na BR há pouco mais de cinco anos e decidiu não aderir ao programa. Para ele, as condições oferecidas no PDO são uma forma de terrorismo com os funcionários, que precisam tomar uma decisão em pouco tempo, sem saber o quanto vão ganhar, nem se serão escolhidos para alguma equipe ou demitidos.
Carolina faz parte da área comercial da empresa e acredita que, com a adesão massiva ao PDO, há o risco de acontecer um apagão de mão de obra na BR. Segundo ela, a maioria decidiu se desligar em algumas equipes da área comercial, por exemplo.
Roberto, que tem um cargo de coordenação na BR, decidiu sair. Segundo ele, pessoas que hoje ocupam cargos de liderança estão sendo convidadas, sob a condição de manter confidencialidade, a assumir postos similares com salários menores.
A redução salarial, segundo ele, começou a ser proposta a cargos que exigem ensino superior e ganham mais de duas vezes o teto da Previdência Social (R$ 11.679). Essa negociação individual passou a ser permitida pela reforma trabalhista.
Para outros casos, os funcionários e o Sitramico (sindicato da categoria) do Rio de Janeiro dizem temer que a BR Distribuidora busque eliminar complementos e gratificações que hoje compõem a remuneração mensal dos funcionários da empresa.
Hoje, os empregados da BR recebem mensalmente um salário-base e um complemento chamado RMNR (remuneração mínima por nível em regime), concedido à época em que a BR ainda era uma subsidiária da Petrobras para equiparar os salários da distribuidora com os pagos na petroleira.
Esse complemento pode chegar a representar hoje 60% salário recebido pelos trabalhadores da BR, de acordo com funcionários. Segundo o Sitramico, a RMNR constitui, em média, 40% do valor pago mensalmente aos funcionários.
“A BR abandonou as negociações do novo acordo coletivo com o sindicato. O acordo feito com a empresa que estava vigente até setembro não previa redução de salário, mas a convenção coletiva da categoria permite [nos casos previstos pela reforma trabalhista] e, por isso, a empresa quer segui-la”, afirma Lígia Deslandes, presidente do Sitramico do Rio de Janeiro.
Para Deslandes, o PDO é ilegal e tem como objetivo reduzir salários e pressionar os funcionários concursados da BR a saírem da empresa. O sindicato entrou na Justiça com uma ação em que pede a anulação do plano e denunciou o PDO ao Ministério Público do Trabalho. A Justiça concedeu uma liminar que suspende as inscrições até que o caso seja julgado.
A BR afirma que segue a legislação ao fazer o PDO.
Em outros estados, sindicatos da categoria têm usado a mesma estratégia da entidade fluminense. No Rio Grande do Sul, o Sitramico gaúcho conseguiu na última segunda-feira (18) uma decisão liminar que suspende o PDO no estado por 30 dias para quem ainda não aderiu.
“Os PDVs ou PDOs não podem ser usados como mecanismo de pressão para forçar demissões. Se
isso acontece, é ilegal e os funcionários podem entrar na Justiça com uma ação coletiva que questiona o plano”, afirma Antônio Rodrigues de Freitas Junior, professor da Faculdade de Direito da USP.
“A empresa também não pode abusar do direito de fazer um PDV com o intuito de trocar sua mão de obra atual por trabalhadores de salários mais baixos. Em geral, toda convenção coletiva barra esse mecanismo”, diz Freitas.
Além disso, segundo ele, também não caberia exclusivamente à BR escolher se cumpre um acordo coletivo, modalidade negociada por uma única empresa com os sindicatos, ou uma convenção coletiva, negociada entre o sindicato patronal de um determinado setor com os sindicatos de trabalhadores do segmento.
“Não é uma decisão apenas da empresa, nem apenas dos sindicatos ou da Justiça. Se já existe um acordo coletivo em negociação, o mais usual é que as mudanças sejam pactuadas no âmbito do acordo”.
BR diz que programa vai ajustar a força de trabalho da companhia
Outro lado
Procurada, a BR Distribuidora afirma que o programa de demissão é para ajustar a força de trabalho da companhia “por meio de uma solução estruturada e com as melhores opções para os colaboradores”. Disse ainda que “o processo ainda está em curso e algumas informações estratégicas são reservadas”.
“A BR hoje como empresa privada busca constantemente a trabalhar com as melhores práticas e alto padrão de qualidade, totalmente alinhada aos interesses de seus acionistas”, escreveu a companhia em nota.
A empresa diz ter lançado o programa de demissão no dia 8 de novembro. “A inscrição é voluntária para todos os empregados com contrato de trabalho vigente, independentemente do tempo de companhia, e poderá ser feita até 21/11”, acrescentou.
A BR afirma ainda que o programa de incentivos para a adesão ao programa oferece benefícios “acima das práticas de mercado” e que segue a “legislação vigente”.
A companhia não comentou as declarações do presidente, Rafael Grisolia, sobre reduções de salários e de demissões após o PDO.