Não faltam bancos públicos no Brasil. Ao todo, há 29 instituições públicas de crédito no Brasil, incluindo nove bancos comerciais, quatro bancos de desenvolvimento e 16 agências de crédito para o desenvolvimento.
A Caixa Econômica Federal contabiliza quase três quartos do financiamento imobiliário no país; o Banco do Brasil tem mais clientes brasileiros do que qualquer outro banco e o BNDES é fundamental para o desenvolvimento da infraestrutura no país. Com a nomeação dos novos presidentes dos principais bancos públicos, é natural que os brasileiros queiram saber o que esperar dos bancos públicos -e a que custo.
Hoje, a maioria dos profissionais de desenvolvimento reconhece o papel importante dos bancos públicos. Eles oferecem apoio anticíclico em épocas de crise, proporcionam crédito a empresas e famílias que não têm acesso devido a falhas de mercado, ajudam a estimular a inovação por meio da oferta de capital de risco, investem em bens públicos e ajudam a alavancar o investimento privado por meio da mitigação de risco.
Para fazer tudo isso, no entanto, os bancos públicos precisam seguir alguns princípios. Primeiro, precisam de atribuições claras e gestão profissional e independente. Segundo, precisam oferecer instrumentos baseados em uma análise das falhas do mercado e precificar os riscos adequadamente. Terceiro, precisam avaliar o impacto e mudar de rumo caso as medidas não funcionem. E quarto, principalmente quando representam uma parcela expressiva do setor financeiro, devem estar cientes do impacto de suas ações sobre os mercados financeiros, visando sempre o desenvolvimento (e não a distorção) do mercado.
Até que ponto os bancos públicos do Brasil cumprem esses princípios? No primeiro ponto, a nova lei relativa às empresas estatais trouxe grandes mudanças positivas, confirmadas pelas recentes nomeações para os três bancos públicos federais. Os bancos públicos no Brasil conseguiram manter a rentabilidade e baixas taxas de inadimplência, sugerindo uma gestão cuidadosa dos riscos. Porém, as atribuições do BNDES, da Caixa e do Banco do Brasil ainda são muito amplas e mesclam funções comerciais e de desenvolvimento, em alguns casos preenchendo lacunas de mercado e, em outros, concorrendo com os bancos comerciais.
Os três bancos se beneficiariam de uma definição mais clara de suas atribuições, nos moldes das novas políticas operacionais introduzidas pelo BNDES no ano passado. As funções que destoam das atribuições de cada banco devem ser extintas ou privatizadas.
Os bancos públicos brasileiros, em parte devido à sua ampla gama de atribuições, nem sempre concebem suas intervenções e instrumentos com base em uma análise cuidadosa das falhas do mercado. Um exemplo é o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do Brasil, que, em 2009-10, proporcionou financiamento anticíclico às grandes empresas através do BNDES, mas que foi mantido e ampliado em demasia e acabou afastando os financiamentos comerciais, a um alto custo orçamentário e com impacto limitado na produtividade.
Outro exemplo são os vários instrumentos de crédito subsidiado voltados para a inovação, mesmo que o problema subjacente esteja mais relacionado às capacidades de gestão e às injeções de capital na fase de criação das empresas.
Um terceiro exemplo são as linhas de financiamento agrícola, que oferecem subsídios para empreendimentos agrícolas de grande porte e alta rentabilidade, sem seguir o exemplo de vários países da OCDE de estipular, também, metas ambientais ou sociais. Em termos de infraestrutura, até recentemente o BNDES e a Caixa eram responsáveis pela maior parcela do financiamento, com taxas baixas e prazos de vencimento a perder de vista; até o momento, no entanto, desenvolveram poucos produtos capazes de mitigar o risco para os financiadores comerciais e, com isso, catalisar o surgimento do financiamento de projetos.
Nos últimos três anos, um número crescente de estudos avaliou o impacto dos vários programas de crédito direcionado administrados por bancos públicos no Brasil.
O papel do BNDES, especificamente, tem sido objeto de avaliações minuciosas (Barbosa et al., dezembro de 2018, apresentam uma excelente análise desse trabalho). A conclusão básica é de que, considerando-se o volume e os custos fiscais das atividades de crédito direcionado do BNDES (principalmente nos primeiros anos desta década), o impacto foi pequeno. Consequentemente, o BNDES iniciou uma reorientação estratégica, deflagrada pela queda dramática da taxa Selic, a redução dos subsídios do Tesouro recebidos entre 2009 e 2014 e a introdução, em paralelo, de uma taxa de investimentos de longo prazo baseada no mercado (a TLP).
O financiamento comercial tornou-se mais competitivo e o BNDES precisa orientar melhor as suas linhas de financiamento para conseguir agregar valor. Esse processo é bem-vindo e mostra que os bancos públicos do Brasil se tornaram mais transparentes e estão operando com base em evidências.
Finalmente, o crédito direcionado oferecido pelos bancos públicos também traz consequências não-intencionais. Quando financiado pela dívida pública, como ocorreu entre 2009 e 2014, ele aumenta o perfil de risco e, com isso, a taxa de juros. Um aumento de 1% da dívida bruta em relação ao PIB pode aumentar os spreads soberanos dos mercados emergentes em até 0,7%. Além disso, o crédito direcionado a taxas reguladas reduz a eficácia da política monetária, já que o Banco Central precisa aumentar muito mais as taxas no mercado livre para atingir o mesmo nível de contração de crédito. Sem contar que as taxas de juros cobradas no mercado livre tendem a aumentar com o volume de crédito direcionado concedido pelo banco, uma vez que servem como subsídios cruzados para os produtos, visando atingir as metas de retorno sobre o patrimônio. Tudo isso gera grandes distorções econômicas entre os que têm acesso ao financiamento direcionado e os que não têm.
A redução dessas distorções é algo muito positivo. Mas isso não significa que não haja necessidade ou espaço para os bancos públicos no Brasil. Com menos fundos de baixo custo do Tesouro e depósitos direcionados, os bancos públicos podem ter um papel importante no desenvolvimento dos mercados financeiros no Brasil.
Em longo prazo, eles podem se financiar a partir do próprio mercado, com o benefício do apoio público implícito e capital de alta qualidade; podem oferecer garantias e consórcios para atrair financiamento privado; podem se especializar em financiamento de startups com entidades do mercado e finanças verdes em parceria com fundos globais; e podem usar sua vasta experiência com a avaliação de projetos e riscos para ajudar a estruturar a ambiciosa agenda de infraestrutura do país.
Essa mudança implicaria a aceitação, de modo geral, da ideia de que assumir riscos significa estar disposto a absorvê-los. Os tribunais de contas (como o TCU) precisarão examinar se o risco foi adequadamente avaliado, não se ele se materializou. As pessoas responsáveis pela concessão de crédito devem ser devidamente supervisionadas e não devem ser responsabilizadas individualmente por eventuais prejuízos, exceto em casos sérios de negligência.
Com o passar do tempo, os bancos públicos do Brasil se tornarão bons preditores dos verdadeiros riscos e custos de se operar no mercado brasileiro, bem como grandes defensores de reformas regulatórias para reduzir tais riscos, ao invés de assumi-los à custa de crédito barato. O resultado deve ser um sistema de bancos públicos com objetivos claros e ferramentas adequadas para proporcionar retornos financeiros e sociais elevados e duradouros a seus verdadeiros proprietários: o povo brasileiro.
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