Um amontoado de mesas e cadeiras empoeiradas no 5º andar de um edifício no centro de Brasília foi o que restou da representação nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na capital do país. O escritório foi desativado depois da demissão de mais de vinte funcionários devido à nova realidade financeira da entidade. Com o fim do chamado imposto sindical, a arrecadação total da CUT caiu 80%. A contribuição obrigatória passou de 62,2 milhões de reais em 2017 para 441 539 reais no ano passado. O corte de custos se tornou inevitável. “Incharam demais a máquina sindical. A CUT mantinha cargos políticos. Eram sindicalistas que queriam fazer política”, diz Luzia Aparecida da Silva, responsável pela homologação dos acordos de rescisão trabalhista dos empregados da central. Ligada ao PT, a CUT já teve até uma bancada de deputados federais nos anos de dinheiro fácil. Na gestão de Lula e de Dilma Rousseff, aceitou o papel de soldadesca do petismo, lutando para manter o partido no poder. Seus cofres também serviram para financiar marchas e manifestações de apoio ao governo e até para garantir emprego ao notório Delúbio Soares depois que ele foi condenado à cadeia no processo do mensalão. Os tempos agora são outros.
Há no Brasil 10 892 sindicatos, vinculados a 551 federações, 48 confederações e seis centrais. Durante décadas, essa estrutura teve uma fonte de receita garantida graças ao imposto sindical, que obrigava cada empregado com carteira assinada a doar à sua respectiva entidade, todo ano, um valor equivalente a um dia de trabalho. Os recursos eram repassados mesmo que o sindicato não atuasse em prol de seus filiados. Diz o petista Chico Vigilante, ex-deputado federal e fundador da CUT: “O imposto sindical era um vício. Os caras não precisavam fazer nada e tinham aquele dinheiro sagrado ali”. Só em 2017, no último ano de vigência desse tributo, foram arrecadados 3,6 bilhões de reais. Em tese, a contribuição obrigatória deveria ser revertida em ações em defesa dos interesses dos sindicalizados. Na prática, enriqueceu dirigentes e patrocinou o inchaço da estrutura sindical, sem que houvesse necessariamente ganhos para a base. A desconhecida Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) chegou a arrecadar 5 milhões de reais em 2017. No ano passado, foram 300 000 reais. Resultado: demitiu 29 de seus 32 funcionários.
“O fim do imposto sindical foi devastador, um verdadeiro massacre”, reclama o presidente da CSPB, João Domingos, que acumulou patrimônio expressivo à frente da entidade, conforme reportagem publicada por VEJA em 2012. Até aqui, é certo que o efeito foi devastador apenas para os líderes, os principais beneficiários da boa vida propiciada pelo antigo tributo, e para seus subalternos. Entre 2017 e 2018, foram demitidos 7 097 funcionários de organizações sindicais. As grandes manifestações das centrais, muitas delas com objetivo meramente político, também perderam força. Não há, no entanto, nada que indique prejuízo para os filiados. “A tendência é que sobrevivam aqueles sindicatos criativos, que consigam prestar serviços à base”, diz Antônio Augusto Queiroz, coordenador do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Ele estima que haja no Congresso cerca de quarenta parlamentares de origem sindical, o que representa uma redução significativa, já que essa bancada superou no passado uma centena e elegeu até um presidente da Câmara, o petista Marco Maia.
Mesmo com a extinção da contribuição obrigatória, há exemplos de entidades que continuam atuantes. Um dos braços mais fortes da própria CUT, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) realizou uma greve de vinte dias em fevereiro e conseguiu reabrir negociações com a Petrobras em torno de demissões e de turnos de trabalho. A federação manteve sua força porque convenceu seus filiados a colaborar espontaneamente para a continuidade de suas atividades. “Com o fim do imposto sindical, o trabalhador não perde nada. Na realidade, ele deixa de descontar um dia de seu trabalho”, lembra José Maria Rangel, coordenador nacional da FUP. Mas um alerta: o desmame das organizações não ocorre sem reação. Nos bastidores do Congresso, há um lobby permanente pela recriação do tributo. Dois argumentos são usados. O primeiro, que beira a insanidade, é a possibilidade de cooptação dos sindicatos em dificuldades financeiras pelo crime organizado. O segundo: o risco de os trabalhadores se enfraquecerem nas negociações. Para darem força a essa alegação, parlamentares ligados ao sindicalismo costumam afirmar que o ritmo de reajustes salariais diminuiu nos últimos anos. Eles só se esquecem de dizer que até hoje o país luta para se recuperar da recessão econômica, o que explica em boa parte os resultados das negociações.
Relator de uma proposta de emenda constitucional que trata de reforma sindical, o deputado Fábio Trad (MDB-MS) enfrenta o lobby pela recriação do tributo, mas afirma que 95% dos parlamentares são contrários à medida e que os sindicatos que viviam à custa do Estado serão dizimados. Diz o presidente da CUT, Sérgio Nobre: “O impacto do fim do imposto sindical foi muito forte. O que temos de fazer numa situação dessas é cortar custos e buscar receitas novas. Estamos ampliando a sindicalização. Temos de trabalhar para recuperar nossa capacidade de financiamento”. Perfeito. Os outros brasileiros é que não podem pagar essa conta.
Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678