Em ano ruim, Previ supera bolsa, mas não cumpre meta

Por Cristiano Romero | De São Paulo 

#Previ, a fundação de previdência dos funcionários do Banco do Brasil (#BB), teve rentabilidade total, em 2013, de 7,19%, abaixo da meta atuarial, que foi de 10,84%. Dos dois planos que o fundo administra, o maior – o Plano 1 (de benefício definido), responsável por mais de 95% do patrimônio da entidade – obteve retorno de 6,36% em renda variável num ano em que o Ibovespa fechou com recuo de 15,50%.

Em renda fixa, o Plano 1 da Previ também fechou 2013 com retorno positivo (8,07%), mas abaixo da meta de 11,37% definida para esse segmento. Apesar do ano ruim, o patrimônio do fundo cresceu R$ 3,5 bilhões, somando R$ 170,8 bilhões. O superávit (que forma a reserva de contingência) chegou a R$ 24,76 bilhões, abaixo dos R$ 26,29 bilhões alcançados no ano anterior.

Antecipados ao Valor, os números serão divulgados hoje pela manhã, no Rio. Nesta entrevista, o presidente da Previ, Dan Conrado, lembra que, embora tenha fica abaixo da meta atuarial, a rentabilidade da Previ foi positiva, enquanto o retorno médio dos fundos de pensão (excluído o do BB) foi negativo em 4,20%. Em outra comparação, enquanto o patrimônio da Previ cresceu, o do sistema encolheu R$ 10,7 bilhões no ano passado.

"Nos últimos dez anos, a expectativa de resultado, isto é, a meta atuarial acumulada foi de 199%. Conseguimos, em renda variável, resultado de 416% no período. Na rentabilidade total do plano, fazendo um mix com renda fixa, imóveis e outras aplicações, tivemos 374%. Esta é a razão de termos um bom colchão de liquidez", disse Conrado.

Eis os principais trechos da entrevista:

Valor: Os fundos de pensão tiveram um ano ruim em 2013. Foi pior do que na crise de 2008/2009?

Dan Conrado: A crise de 2008 consumiu muito mais patrimônio dos fundos. 2013 foi um ano bem ruim, mas não pior do que 2008 e 2009. Nossa situação é muito tranquila porque, trazendo todos os benefícios a valor presente, temos mais de R$ 20 bilhões além do necessário para pagar os benefícios. A reserva de contingência, que em 2013 chegou a R$ 24,76 bilhões, é superávit. Na crise de 2008, consumimos R$ 26 bilhões dessa reserva, mas isso em nenhum momento abalou a solidez do fundo. Quando a bolsa melhorou, retomamos as reservas. Em sua história, a Previ jamais se tornou insolvente ou viveu insolvência técnica.

Valor: O momento não é preocupante?

Conrado: Nossa meta atuarial é inflação mais 5%, que deu 10,84% em 2013. Nos últimos dez anos, a expectativa de resultado, isto é, a meta atuarial acumulada foi de 199%. Conseguimos, em renda variável, resultado de 416%. Na rentabilidade total do plano, fazendo um mix com renda fixa, imóveis e outras aplicações, tivemos 374%. Esta é a razão de termos um bom colchão de liquidez.

Valor: A queda da bolsa em 2013 não prejudicou o fundo?

Conrado: A rentabilidade de renda variável em 2013 foi de 6,36%, num ano em que o IBrX [índice de referência do segmento na bolsa] foi negativo em 3,13% e o Ibovespa, em 15,50%. No caso de renda fixa, conseguimos retorno de 11,37% no Plano 1. A rentabilidade total em 2013 foi de 7,19%.

Valor: Abaixo da meta atuarial.

Conrado: Sim. Se você pegar todos os fundos de pensão e excluir a Previ, a rentabilidade dos demais fundos foi negativa em 4,20%. Incluída a Previ, o total dos fundos em 2013 foi um retorno negativo de 1,26%.

Valor: Por que essa diferença?

Conrado: Primeiro porque temos uma boa diversificação de investimentos. Aumentamos a nossa carteira de imóveis; temos uma alocação maior em renda variável, em empresas que são boas pagadoras de dividendos…

Valor: Por exemplo?

Conrado: Ultrapar, Ambev, Vale. Um dado importante é que, em 2013, pagamos R$ 9,3 bilhões em benefícios. Quase 60% disso veio de juros sobre capital próprio, dividendos e aluguéis. Isso nos permite fazer uma gestão da carteira onde buscamos empresas mais pagadoras de dividendos, justamente para não precisar vender ativos. Em imóveis, temos patrimônio de quase R$ 10 bilhões, com foco em lajes corporativas e armazéns logísticos. Por causa do crescimento das grandes cidades e das dificuldades de se mexer com cargas dentro das capitais, cada vez mais as empresas vão precisar ter estoque próprio, com rotas fáceis de entrega. O segmento de armazéns vai crescer muito.

Valor: Quanto da carteira de investimento está em renda variável?

Conrado: Cerca de 60%. Pelo limite legal, poderíamos ter até 70%. Quando comparamos com a indústria de fundos de pensão, nossa alocação é completamente diferente. A indústria tem, em média, 70% em renda fixa e 30% em renda variável.

Valor: Isso não faz com que vocês tomem mais risco que os outros fundos?

Conrado: Não consideramos que estar mais alocados em renda variável seja tomar mais risco. Temos um plano maduro [o Plano 1]. O pico de necessidade de pagamento desse plano vai se dar após 2020. Temos tranquilidade para poder fazer a gestão, sabendo que não precisamos nos desfazer de renda variável ou de renda fixa por causa de pressão do mercado. Temos um estudo de longo prazo, em que podemos fazer a gestão do nosso caixa e desinvestir na hora em que acharmos mais adequado. Pelos nossos cálculos atuariais, a última pessoa a depender do Plano 1 deve ser beneficiada até 2080, talvez, um pouquinho mais. Nesses quase 70 anos, vamos transformando aquilo que temos em renda variável em caixa para poder pagar o benefício. É algo absolutamente suave. Um plano de previdência é feito para que ele dure até que o último participante receba seus benefícios.

Valor: Isso não vale para o Plano Previ Futuro?

Conrado: Não porque esse plano é de contribuição definida, enquanto o Plano 1 é benefício definido. O beneficiário do Previ Futuro vai ganhar aquilo que aplicou ao longo da vida. No Plano 1, o plano acaba com o último participante. Fundo de pensão precisa ser necessariamente cauteloso e fazer movimentos que não sejam bruscos e ter uma visão sempre de longo prazo.

Valor: A economia brasileira está entrando no 4º ano consecutivo de baixo crescimento. Já se espera que 2015 seja um ano de ajuste, o que também deve derrubar o crescimento. Isso diminui os lucros das empresas e o valor das ações. Em 2013, a Previ não cumpriu a meta atuarial. Por quanto tempo o fundo pode enfrentar uma situação como esta?

Conrado: Se nós fôssemos fazer uma gestão aqui na Previ pensando no curto prazo, o dinheiro já teria acabado. A nossa gestão é sempre focada no longo prazo. Essas questões são de curto prazo. Se o mercado brasileiro estiver sofrendo qualquer dificuldade, temos a Vale que é exportadora para a China; a BRF que vende no Oriente Médio; a Embraer que vende para o mundo inteiro. Em algum lugar, estaremos ganhando. Estou em empresas internacionalizadas. Isso me dá a tranquilidade de saber que posso sofrer num mercado, mas em algum outro eu estarei ganhando. Os desafios que o Brasil tem pela frente, como os de infraestrutura, são uma grande oportunidade para nós. Lembre-se de que ganhamos o leilão do aeroporto de Guarulhos e houve uma grande discussão no mercado sobre o preço que pagamos [R$ 16 bilhões]. Se compararmos com o que foi pago pelo aeroporto do Galeão [R$ 19 bilhões], compramos um aeroporto bem maior por um preço menor. Nas últimas concessões de rodovias, ganhamos a da BR-040, que tem alguma sinergia com outras concessões que possuímos próximas ao Estado de São Paulo. Momentos de crise são também de oportunidades.

Valor: Não foi um mau negócio comprar papéis de longo prazo nos últimos três anos?

Conrado: Se eu fosse aplicar hoje numa NTN-B, estaria ganhando acima da minha meta atuarial. Já há oferta de títulos de 20, 30 anos, com oportunidade de ganhar acima da meta atuarial.

Valor: Mas quem acreditou em juros baixos e, induzido pelo governo, comprou esses papéis, perdeu dinheiro.

Conrado: Tenho na minha carteira papéis com vencimento até em 2050 e tenho títulos de curto prazo para poder fazer frente aos compromissos. Vamos imaginar o seguinte: o que quebra banco? Liquidez. O que quebra fundo de pensão? Insolvência. Se alguém chegasse aqui e dissesse: “vou vender o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor” e eu pegasse todo o meu dinheiro e comprasse, o que acontece é que eu ficaria com um ativo, que eu acho que vale X, mas sem liquidez. Nós estamos muito diversificados, com ações com mais e menos liquidez, títulos de renda fixa que vencem no curto prazo para fazer face a compromissos de curto prazo, renda fixa de longo prazo para fazer face a compromissos de longo prazo, enfim, as pessoas, quando olham para a Previ, olham muito o ativo.

Valor: Não é o que deve ser olhado?

Conrado: Na verdade, o que tem de olhar é o passivo. O ativo só existe para fazer face ao passivo, que é o pagamento de benefícios dos participantes do fundo. Temos estimativas de quantas pessoas se aposentam por ano, quantas falecem e fazemos uma ALM [sigla em inglês para gerenciamento de ativos e passivos], na expectativa de quanto será o nosso desembolso. É o fluxo de caixa de muito longo prazo. Temos, digamos assim, um grande cheque especial, que são os meus títulos de renda fixa, que posso realizar a qualquer momento para pagar benefícios. Isso me dá uma condição de entrar e sair do mercado quando for adequado para a rentabilidade do fundo.

Valor: O Banco Central reduziu a taxa de juros real para menos de 2% ao ano entre 2011 e 2012, mas no ano passado a elevou, em poucos meses, para 5% ao ano. Essa volatilidade não prejudica investidores como vocês?

Conrado: Muitas pessoas confundem renda fixa com aquele CDB (Certificado de Depósito Bancário) que se compra em banco. Nós só compramos títulos públicos de longo prazo. Juro baixo é uma realidade que o Brasil vai encontrar em algum momento. O país não vai ficar com essa taxa de juros alta a vida inteira. Isso não é sustentável. Existe toda uma preocupação de como vai se comportar a taxa de juros no Brasil. Se olharmos para o longo prazo, ela vai voltar a um patamar menor lá na frente. Não adianta você comprar um título de 2020 ou 2050 e achar que uma mudança de juros no primeiro ano vai ser catastrófica para o seu investimento. Principalmente, para um fundo como o nosso, que marca os seus títulos sempre na curva. Nós não fazemos marcação a mercado.

Valor: Qual é a diferença?

Conrado: Quem faz a mercado traz uma volatilidade para o ativo que nós não temos. Na marcação na curva, os títulos são contabilizados pelo valor de compra, acrescidos da variação da taxa desde a emissão do papel até o vencimento. Na marcação a mercado, os papéis são contabilizados diariamente pelo preço efetivo de mercado, de acordo com a média dos negócios realizados com papéis similares.

Valor: Vocês são obrigados a marcar na curva?

Conrado: Não. Nós marcamos a mercado aquilo que temos efetiva intenção de usar no curto prazo. O grosso da nossa carteira está marcado na curva e no longo prazo. Nós não tivemos problemas com a instabilidade ocorrida no ano passado com os títulos marcados a mercado justamente porque marcamos na curva. O fundo que fez marcação a mercado para melhorar o resultado em 2012, por exemplo, sofreu no ano passado.

Valor: O Brasil convive com juros altos há pelo menos duas décadas e isso ajudou os fundos de pensão a cumprirem, com facilidade, as metas atuariais. Se os juros caírem, como o senhor está prevendo, como os fundos vão sobreviver?

Conrado: Tenho que refletir no meu passivo a taxa de juros. Hoje, estou corrigindo o meu passivo à inflação mais 5%. Se essa taxa de juros cair muito, também vou corrigir o meu juro para baixo, ou seja, o meu passivo vai desacelerar. Isso também faz com que a expectativa de resultado que eu sou obrigado a ter também seja menor. A minha realidade é diferente da dos bancos e dos fundos de investimento.

Valor: Por quê?

Conrado: Porque tenho um passivo de longo prazo que é corrigido pela mesma taxa esperada para minha rentabilidade. Digamos que, amanhã, o juro real seja 2%, então, eu também vou corrigir o meu passivo pela inflação mais 2%. Temos várias contas. O que faz acelerar ou desacelerar o meu passivo? Taxa de mortalidade, expectativa de vida, quantidade de dependentes, o reajuste que o participante tem quando está na ativa. A minha conta não é tão simples. Se você falar em juros, tenho que olhar quanto é o juro real e quanto vou também ter que corrigir meu passivo.

Valor: Os juros voltaram a subir fortemente. Isso não leva à alteração da meta atuarial dos fundos?

Conrado: Existe uma regra definida pelo regulador [a Previc] que fala em redução gradual da taxa de juros. Acredito que eles estejam repensando isso. Com aumento de inflação e de juros, talvez não faça muito sentido promover uma redução ainda maior da taxa de juros que entra no cálculo da meta atuarial. Por essa regra, a expectativa de juros é 4,5% em 2018. Hoje, já estou em 5%. Eles fizeram um escalonamento para chegar até 4,5% e eu já estou à frente disso. Então, o impacto também é bastante pequeno.

Valor: Por que a Previ, mesmo acumulando um superávit de R$ 24,76 bilhões, decidiu suspender, no fim de 2013, a distribuição desse resultado para os participantes e voltou a cobrar contribuição deles e do patrocinador (o BB)?

Conrado: De acordo com a lei, só posso distribuir para o participante aquilo que superar 25% de superávit da minha reserva matemática [o volume de recursos necessário para cobrir compromissos atuais e futuros]. Acumulamos reserva matemática de R$ 114,22 bilhões em 2013 e um superávit de R$ 24,76 bilhões. O superávit é a minha reserva de contingência, um colchão de segurança. No ano passado, o superávit representou 21,67% da reserva matemática e a lei diz que eu poderia distribuir, do superávit, apenas o que superasse 25%. Nós vínhamos com esse excedente até 2012, quando distribuímos R$ 1,01 bilhão. Em 2013, em função de todas as mudanças ocorridas na economia e da desvalorização dos nossos ativos em bolsa, a Previ continua superavitária, mas não atingiu o limite de 25%, portanto, não tem mais excedente para distribuir. A indústria de fundos de pensão está deficitária. Quando você inclui a Previ no grupo dos fundos, a indústria fica superavitária; quando retira, fica deficitária. O único grande fundo que tem esse colchão de liquidez somos nós. De 2006 para cá, distribuímos R$ 20 bilhões aos participantes. A grande preocupação que as pessoas têm que ter é se um fundo de pensão, seja ele qual for, possui condição de arcar com os compromissos futuros. E isso eu posso garantir: a nossa solidez e as reservas de contingência como essas que nós temos dão a tranquilidade de que todos os participantes do fundo vão receber o seu direito até o final.

Valor: Uma das limitações que parecem restringir a atuação dos fundos brasileiros são os obstáculos a investimentos no exterior, que fazem com que as entidades percam boas oportunidades lá fora. A Previc abriu essa possibilidade, mas ainda de maneira restrita. Como o senhor analisa isso?

Conrado: A Previ está investindo no exterior porque a BRF, por exemplo, acabou de fazer uma oferta por uma empresa lá fora e tem receitas em dólar; a Vale é dona de empresas no Canadá, Austrália, enfim, eu poderia dar vários exemplos. Mas concordo plenamente que existem oportunidades que a gente hoje não estaria acessando.

Valor: Qual é a dificuldade?

Conrado: A dificuldade que o regulador tem [em autorizar investimento no exterior de forma mais ampla] é que você tem um fundo com patrimônio de R$ 170 bilhões [a Previ] e alguns que têm dezenas de milhões. Se você olhar a indústria de fundos, ela é muito díspar e isso faz com que se tenham determinadas regras que atingem a maior parte do setor, mas que num ponto ou outro podem estar prejudicando um fundo do tamanho da Previ, da Petros [da Petrobras ] ou da Funcef [ Caixa Econômica Federal ]. O regulador diz que as entidades podem aplicar num fundo brasileiro que tenha um fundo espelho lá fora, limitada a aplicação a 25% do total. Digamos que seja um fundo de R$ 4 bilhões. Eu tenho R$ 1 bilhão, mas quem tem os outros três? O setor de tecnologia da informação, por exemplo. Você não aplica aqui dentro porque as principais empresas estão listadas lá fora e não posso fazer o investimento direto. Esse fundo vai permitir.

 
24/02/2014
- VALOR
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