Ano novo, governo novo e vida nova na bolsa. Pelo menos é isso que esperam empresários, investidores, consultores e banqueiros de investimento. Entre IPOs (ofertas iniciais públicas de ações, na sigla em inglês) e follow-ons (ofertas subsequentes), a B3 espera abrigar até 30 operações neste ano. Na lista estão companhias dos mais variados perfis: da rede de academias Smart Fit à unidade de cartões da Caixa Econômica Federal, da cadeia de lojas de brinquedos Ri Happy à distribuidora -Neoenergia. O volume pode chegar a 40 bilhões de reais, pelas contas de agentes envolvidos na preparação dessas companhias.
São números não vistos desde 2007, quando 76 companhias foram à bolsa, levantando 70 bilhões de reais. Esse entusiasmo começou a tomar forma já em novembro, quando o Ibovespa, principal índice acionário local, passou a engatar sucessivos recordes diante da expectativa de que a equipe econômica do governo Jair Bolsonaro, liderada pelo economista Paulo Guedes, seja capaz de implementar reformas liberais. "Existe uma confluência de fatores positivos", diz Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes da B3. A questão é sair da teoria para o pantanoso mundo real.
O mercado de capitais brasileiro costuma avançar em ondas. Experimentou uma arrancada na época do Plano Real, com o fim da hiperinflação. Depois, teve novo salto durante o superciclo das commodities, de 2001 a 2008, coroado pelo grau de investimento recebido pelo Brasil. Neste início de 2019, investidores vislumbram um alinhamento de fatores macroeconômicos, culturais e regulatórios. As condições para a transformação começaram a ser construídas com o mais recente ciclo de redução dos juros, iniciado em outubro de 2016 durante o governo Michel Temer.
A nova realidade passou a exigir que os investidores saíssem um pouco da renda fixa e considerassem alternativas mais arriscadas, como as ações. A mudança impulsionou uma nova onda de plataformas online de investimentos e levou corretoras a aumentar os esforços de educação financeira. O número de pessoas físicas investindo na bolsa deixou o patamar de 500 000 em que estava estacionado desde 2008, subindo 10% em 2017 e 31% em 2018, para 813 000.
A esperada onda de aberturas era para ter ocorrido já em 2018. Na maior parte do ano passado, entretanto, o clima foi de cautela por causa das turbulências econômicas e políticas. Os únicos IPOs de 2018 no Brasil – da operadora de planos de saúde cearense Hapvida, de sua concorrente paulista NotreDame Intermédica e do banco mineiro Inter – foram levados a cabo em abril, antes de a greve de caminhoneiros de maio atrasar a incipiente retomada da economia. Quem se atreveu a lançar operações de captação depois acabou voltando atrás. Foi o caso da empresa de serviços de tecnologia Tivit, da Smart Fit e do banco BMG. EXAME apurou que os IPOs frustrados em 2018 não conseguiram atrair o volume de recursos nem o preço desejado – as empresas não deram entrevista.
Se 2019 será diferente é uma conclusão que deve vir logo. A renovada esperança se baseia, essencialmente, na promessa de Guedes de reformar o sistema de Previdência Social. A proposta deve ser enviada para votação no Congresso em fevereiro, segundo as estimativas do governo. Os investidores estrangeiros estão esperando para ver. O saldo de investimento estrangeiro na B3 começou 2019 como terminou 2018: com déficit, de 869 milhões de dólares. A alta de 18% no Ibovespa em 2018 deixou as empresas do Ibovespa caras: estão sendo negociadas, em média, a 21 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, enquanto para as companhias do índice Dow Jones, da bolsa de Nova York esse múltiplo é de 16. A previsão do mercado é que os novos IPOs e follow-ons sejam efetivamente abertos a partir do segundo trimestre. "É apenas uma questão de tempo para engrenar. No começo, devemos ver um número maior de follow-ons do que de ofertas iniciais, porque é mais fácil o investidor comprar ações de uma empresa que ele já conhece do que apostar em novas histórias", diz Fabio Nazari, chefe de mercado de capitais de renda variável do BTG Pactual, líder entre os bancos de investimento brasileiros em aberturas de capital em 2018, segundo dados da consultoria britânica Dealogic.
A volta de quem não foi
A fila para levantar capital na B3 neste ano deve ser puxada pelas empresas que tiveram os planos interrompidos em 2018. É uma lista que inclui, ainda, a rede de lojas de artigos esportivos Centauro, a Dass Calçados (representante, no Brasil, da marca inglesa Umbro) e a Blau Farmacêutica, fabricante de medicamentos e das camisinhas Preserv. A cadeia de lojas de brinquedos Ri Happy também aguarda o céu desanuviar para dar saída ao fundo de investimento americano Carlyle, que comprou a varejista em 2012. Outras empresas, como a IMC, dona dos restaurantes Viena e Frango Assado, e a Movile, do aplicativo de restaurantes iFood, que receberam aportes de fundos de investimento em participação acionária nos últimos anos, podem engrossar a safra de IPOs e ofertas subsequentes. As estatais também estão na fila, com a prometida leva de privatizações da União e de estados. O Banco do Brasil deve vender ações de sua gestora de investimentos, a BB DTVM, que administra mais de 900 milhões de reais. A Caixa tem planos de colocar em oferta neste ano, além da subsidiária de cartões, a de seguridade. Depois, viriam as unidades de loterias e de gestão de investimentos. O recém-empossado governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, afirmou que uma oferta pública de ações da Cedae, companhia de água e esgoto do estado, pode ser uma opção à ideia de privatização, da qual ele discorda. "A procura de interessados em entender como o processo de ir à bolsa funciona multiplicou por 10 desde o segundo turno das eleições", diz Hans Lin, diretor do banco de investimento do Bank of America Merril Lynch no Brasil.
Também devem se destacar na próxima onda setores ainda com pouca participação na B3. Exemplo: as empresas de saúde, depois de Hapvida e NotreDame terem aberto as portas da bolsa para o setor. "O envelhecimento vai demandar cada vez mais de medicamentos e serviços de saúde. É um mercado que só vai crescer, ainda mais que, com a economia organizada, o PIB pode chegar a subir 4% ou 5% no médio prazo", diz Rodolfo Riechert, presidente do grupo Brasil Plural, que assessora companhias em operações na B3. Assim como acontece com o setor de saúde, a área de tecnologia está entre as preferidas do investidor estrangeiro e é pouco presente na B3 ainda. Em 2018, as três empresas brasileiras desse ramo que abriram o capital preferiram acessar a bolsa americana especializada Nasdaq. As processadoras de pagamento PagSeguro e Stone, além da plataforma de ensino cearense Arco Educação, arrecadaram, juntas, 4 bilhões de dólares com suas ofertas. "Há um otimismo bastante grande em relação a esses novos modelos de negócios, principalmente na área de meios de pagamento", diz Thais de Gobbi, sócia do escritório de advocacia Machado Meyer.
O exemplo da PagSeguro mostra que, mesmo que a onda de aberturas venha, ninguém garante que chegará às praias brasileiras. Além de mais maduro, o mercado americano seduziu as empresas brasileiras ao viver, em 2018, um ano histórico, quando recebeu 207 aberturas iniciais, maior número desde 2014, de acordo com levantamento da consultoria EY. Agora, a recessão econômica que se configura no horizonte e a paralisação da administração federal na virada do ano com um impasse na votação do Orçamento podem atrapalhar as transações. Enquanto o presidente Donald Trump se digladia com o Partido Democrata, exigindo a liberação de 5 bilhões de dólares para a construção de um muro na fronteira com o México, várias atividades da SEC, órgão regulador do mercado de capitais americano, foram suspensas. Em consequência, o esperado lançamento de ações de gigantes como os aplicativos de transportes Uber e Lyft fica empacado. O mau humor externo também pode limitar a elevação do Ibovespa nos próximos meses. "Os investidores estarão atentos ao desenrolar das negociações comerciais entre a China e os Estados Unidos. Aqui, a questão é saber se o governo Bolsonaro realmente conseguirá emplacar as medidas prometidas. Este primeiro trimestre será uma prova de fogo", diz Guilherme Sampaio, diretor de transações corporativas e líder de IPOs da EY.
A concorrência das bolsas americanas fez a B3 estudar mudanças regulatórias que beneficiem o mercado local. "Fazer um IPO no exterior também é uma maneira de internacionalizar a economia brasileira. A companhia que começa a ser negociada em outros países precisa assimilar padrões diferentes de governança, que são colocados em prática pelos funcionários que atuam em suas unidades em território brasileiro", diz Renato Ochman, sócio do escritório Ochman Real Amadeo Advogados. A bolsa está estudando permitir a dupla listagem, que é a negociação de ações de uma empresa em mercados de nações distintas. Negocia com a Comissão de Valores Mobiliários, também, autorização para que qualquer investidor brasileiro – e não só os que têm patrimônio em investimentos de pelo menos 1 milhão de reais – compre na bolsa local BDRs (Brazilian Depositary Receipts, ações de empresas estrangeiras negociados na B3). Atualmente, companhias como Amazon, General Motors e Microsoft têm BDRs. Uma medida vista como fundamental pelos agentes é a confidencialidade das ofertas. Pelas regras atuais, assim que uma empresa registra na bolsa e na CVM sua intenção de fazer um IPO ou follow-on, esse projeto é anunciado ao mercado. Se o cenário azeda e a companhia decide esperar mais para finalizar a transação, acaba estigmatizada. Todas essas modificações devem sair ainda em 2019, em um esforço da B3 para se renovar. "O IPO não é o objetivo final da empre a, é o começo de seu relacionamento com os investidores", diz Levindo Coelho Santos, sócio sênior da G5 Partners, maior empresa independente de serviços financeiros do Brasil. Não faltam candidatos a começar um relacionamento em 2019.