Após tentativas frustradas de venda, a Previ investe para reerguer o resort Costa do Sauípe – que já consumiu 1 bilhão de reais em menos de uma década e jamais deu lucro
Por LUCAS AMORIM
O capixaba Eduardo Giestas (foto) trabalha cercado por piscinas, quadras de tênis e dezenas de lojas e restaurantes. A poucos passos de seu escritório, ele tem a vista do mar da Costa dos Coqueiros, a 75 quilômetros ao norte de Salvador, na Bahia. Pode parecer o emprego dos sonhos, mas a missão de Giestas é das mais complicadas. Ex-vice-presidente da Time For Fun, maior organizadora de shows do país, ele foi contratado em agosto como novo presidente da Sauípe S.A., dona do resort Costa do Sauípe e controlada pela Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Inaugurado em 2000, Sauípe foi construído sobre um plano de negócio grandiloquente, mas jamais foi um bom negócio.
O investimento de quase 1 bilhão de reais feito pela Previ nunca gerou um centavo sequer de lucro. Sem conseguir ganhar dinheiro, o fundo tentou negociar o empreendimento no ano passado. Encontrou gente interessada, mas não compradores. Agora, se prepara para adotar uma nova estratégia. No dia 24 de novembro, Giestas apresentou à Previ um plano de recuperação, que prevê a injeção de outros 30 milhões de reais em Sauípe durante o ano de 2010. “A meta é elevar a taxa de ocupação de 40% para 50%, número mágico para tornar a operação viável”, diz ele.
Boa parte desse dinheiro vai ser usada em reformas de emergência. Depois de dois anos sem manutenção, Sauípe ficou com parte de sua estrutura sucateada. Cerca de 130 de seus 1 600 quartos estão fechados por falta de itens básicos, como chuveiros e televisores. O plano é reabri-los até março de 2010, período de alta temporada do turismo no Nordeste. A Vila Nova da Praia, ponto de encontro dos hóspedes nos fins de tarde, deve contar com sete novos restaurantes e dez lojas. No início do próximo ano também entra no ar uma campanha publicitária para divulgar o resort. Para ajudar Giestas nesse plano de resgate foram criadas duas novas diretorias – marketing, ocupada pelo executivo Guilherme Martini, também ex-Time For Fun, e operações, a cargo de Mark Campbell, ex-gerente de serviços para hotelaria de Sauípe.
A expectativa da Previ é que as mudanças estanquem uma sangria. Nenhum outro empreendimento do fundo, que possui 84 bilhões de reais investidos em 55 companhias, se arrasta por tanto tempo no vermelho – em valores atualizados, estima-se que as perdas somem 350 milhões de reais. “É um dos investimentos que mais nos dão trabalho”, diz Joilson Ferreira, diretor de participações da Previ.
O fundo de pensão já tentou diversas soluções para o complexo. Primeiro, há cerca de dois anos, tentou ceder a administração de todo o complexo a um único operador com experiência em hotelaria. A dificuldade de se livrar dos contratos estabelecidos com diversas redes, porém, acabou matando a ideia. No início de 2008, a Previ decidiu pela venda. Por duas vezes esteve perto de fechar um acordo – com a operadora espanhola Quail e com a rede jamaicana SuperClubs, administradora de um dos hotéis do complexo, que contaria com o apoio financeiro do empresário espanhol Enrique Bañuelos. Mas o estouro da crise mundial, em setembro de 2008, esfriou as negociações.
Desde então, a Previ se viu forçada a lidar com o que se tornou um mico. Não apenas como única investidora mas também como gestora – algo fora do comum em sua história. Tradicionalmente, o fundo compra participações minoritárias e assume cargos no conselho de administração. Nas origens de Sauípe, as pretensões da Previ não incluíam o controle operacional. À frente do dia a dia, estavam as três cadeias de hotéis que iniciaram o empreendimento – a americana Marriott, a francesa Accor e a SuperClubs – e, a partir de 2006, a portuguesa Pestana.
Com o tempo, segundo os executivos da Previ, tornou-se nítido que os contratos penalizavam apenas o fundo. As redes recebiam um percentual das receitas, independentemente dos resultados, mas quem arcava com os riscos (e os prejuízos) era a Previ. “Tentamos mudar os contratos, sem sucesso”, diz Ferreira. A solução foi encerrá-los. (A única exceção por enquanto é a SuperClubs, que ainda tem um hotel.) O último a sair foi o Marriott, em março.
Assim que os hotéis estiverem repaginados, cada um deles será posicionado para um público diferente. Hoje, a diária média é de 650 reais por casal. Esse valor vai sofrer variação de até 50%, dependendo do hotel. Para conseguir essa diversificação, Sauípe precisará reforçar sua presença na área de eventos.
Nos planos de Giestas está uma programação que vai de encontros para a terceira idade a festivais de música eletrônica para o público GLS. Eventos tradicionais, como torneios de tênis e a micareta Sauípe Folia, que acontece há oito anos e conta com a participação de astros como Ivete Sangalo, serão mantidos. Com isso, a expectativa é que as receitas na área de eventos dobrem para 40 milhões de reais em 2010 – o equivalente a quase um terço do faturamento total previsto para o próximo ano.
Um potencial conflito que pode surgir nessa nova fase envolve a SuperClubs. Único hotel independente a permanecer no complexo, ele sempre foi bem-sucedido. Sua taxa de ocupação nunca ficou abaixo de 60% – ante 40% dos outros hotéis – em parte graças ao sistema all inclusive que atrai os turistas ao incluir todas as despesas no valor da diária. Seus executivos não cogitam deixar Sauípe. “Temos um contrato renovado a cada cinco anos e seu término nunca esteve em pauta”, diz o espanhol Xavier Veciana, diretor-geral da rede no país.
A Previ, por sua vez, tem outros planos para o hotel. Segundo um executivo próximo ao fundo, o encerramento do contrato com a SuperClubs já virou uma disputa judicial – que também inclui o pedido de indenização por perdas e danos, por ter atrapalhado a venda da rede. “Quando a venda para os espanhóis da Quail estava quase fechada, a SuperClubs decidiu exercer o direito de preferência na compra do complexo, usando a lei do inquilinato. As conversas atrasaram e depois foram interrompidas pela crise”, afirma esse executivo. Oficialmente, Previ e SuperClubs não falam a respeito da disputa judicial.
Se o plano da Previ funcionar – e mostrar que Sauípe pode ser um empreendimento viável -, o fundo de pensão terá condições de finalmente atrair um sócio. Entre os interessados estariam a própria SuperClubs, o espanhol Bañuelos e a CVC, maior operadora de turismo do país. “Temos grande interesse em entrar como sócios de qualquer negociação que venha a ser feita lá”, afirma Guilherme Paulus, presidente do conselho de administração da CVC. A Previ, como é comum nessas situações, desconversa. “Não queremos vender já, mas nenhum investimento nosso é inegociável”, diz Ferreira. Mas depois de uma década perdendo dinheiro com Sauípe é difícil imaginar que o fundo de pensão ainda tenha muito apego ao empreendimento.