PR 1.16000003442/2008-58
Encaminhado à Procuradora, Dra. Valquíria Oliveira Quixadá Nunes
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR
DOUTOR LAURO PINTO CARDOSO NETO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO DISTRITO FEDERAL
Excelência.
A FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO BANCO DO BRASIL – FAABB, constituída em 11 de março de 1993 sob a forma de associação civil de direito privado, sem fins lucrativos e com duração indeterminada, neste ato representada por sua Presidente, Isa Musa de Noronha, brasileira, (…) ETC
REPRESENTAÇÃO
Contra o Senhor José Barroso Pimentel, Presidente do CONSELHO DE GESTÃO DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR – CGPC, com sede em Brasília, na Esplanada dos Ministérios, bloco F, CEP 70.059-900, com fulcro no artigo 127, da Carta Magna, em face da Resolução CGPC 26, de 29 de setembro de 2008, publicada DOU em 01/10/2008 (anexo 01), com a qual o referido Conselho, sob o pretexto de “dispor sobre as condições e os procedimentos a serem observadas pelas entidades fechadas de previdência complementar na apuração do resultado, na destinação e utilização de superávit e no equacionamento de déficit dos planos de benefícios”, invocando suposto, mas inexistente amparo nos artigos 3º, 5º, e 74, da LC 109, de 29 de maio de 2001 -, incluiu, nos artigos 15 e 16, o patrocinador do Fundo de Pensão como beneficiário da distribuição da Reserva Especial, sob o t ítulo de “reversão de valores”, a título de “devolução de contribuições”[1].
02. Mas, a denominada “reversão de valores” –, eufemismo utilizado para definir a participação do patrocinador como beneficiário da distribuição da reserva especial originada em superávit apurado pelas de EFPPs -, fere os princípios elementares de ética e de justiça social que devem nortear a constituição e os objetivos de um Fundo de Pensão, além de não estar prevista na legislação específica, e de ser incompatível com o sistema de formação de custos e preços e com os incentivos fiscais concedidos aos patrocinadores, sejam entes estatais ou privados. Em um passe de mágica querem transformar os patrocinadores, que contratualmente assumiram o compromisso trabalhista de contribuir para os Planos de Previdência Complementar, prática caracterizada como salário indireto, no s principais beneficiários de eventuais superávits. Vejam os.
DOS FUNDAMENTOS LEGAIS
03. Os fundamentos de ordem legal estão na legislação que dispõe sobre o funcionamento do sistema de Previdência Complementar.
04. Ao contrário do que se afirma, a Resolução CGPC nº 26, não tem o amparo do artigo 3º da LC 109/01, mas o agride, na medida em que conflita com o disposto em seus incisos II, e VI.
05. Sim. Porque (a) em vez de disciplinar, coordenar e supervisionar as atividades das EFPCs, o CGPC, ao aprová-la, assumiu função legislativa, na medida em que instituiu o benefício da “reversão de valores” em favor do patrocinador, não previsto na legislação; e (b) em vez de proteger os interesses dos participantes e assistidos, gerou um potencial conflito de interesse na disputa por uma parte do patrimônio do plano que só pertence aos verdadeiros beneficiários: os participantes ativos e inativos.
06. No mesmo passo, o artigo 5º, combinado com o artigo 74, da mesma LC, citados na introdução, também não amparam a incursão legislativa do CGPC: o primeiro limita-se a estabelecer que as funções de normatização, coordenação, fiscalização e controle das atividades das entidades de previdência Complementar serão realizados por órgão ou órgãos reguladores e fiscalizadores, conforme disposto em leie o segundo explicita que até a publicação da lei de que trata o artig o 5º, as funções do órgão regulador e fiscalizador serão exercidas pelo MPAS, por intermédio do CGPC e pela SPC “relativamente às entidades fechadas”.
07. Por sua vez o artigo 1º do Decreto 4.678, de 24.04.03, nada mais fez do que confirmar o Decreto 4.678, de 24.03.2003, que atribuiu ao CGPC as funções do órgão previstas no artigo 1º, ou seja, as de regulação, normatização e coordenação das atividades das entidades fechadas de previdência Complementar.
08. Em síntese: o CGPC, como se depreende facilmente, dos dispositivos acima citados, só tem competência para regular, normatizar e coordenar as atividades das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, não podendo, portanto, tratar de matéria não prevista na legislação.
09. Registre-se, por oportuno, que após a previdência complementar ser transferida para a área de atuação do Estado -, o que ocorreu com a Lei 6.435/78 -, o legislador jamais admitiu a singular noção de devolver à empresa patrocinadora a contribuição por ela vertida, mas paga pelo consumidor final de seus produtos ou serviços.
10. Nesse sentido, o legislador foi muito claro; e o último diploma que rege a matéria – a LC 109/01 não deixa dúvida – à empresa patrocinadora só é deferida a redução de sua contribuição. (LC 109/01, artigo 20 §3º).
11. Em face desse ordenamento legal, e sendo um órgão subordinado ao MPAS, com funções bem delimitadas, o Conselho Gestor da Previdência Complementar exorbitou de suas atribuições e usurpou função do Poder Legislativo ao beneficiar, sem previsão legal, a ficção jurídica que é a empresa patrocinadora, devolvendo-lhe as contribuições por ela vertidas, mas já anteriormente transferidas aos consumidores nos preços de seus ou serviços.
DA FORMAÇÃO DE CUSTOS E PREÇOS
12. Sob o enfoque econômico relativo à composição de custos e preços no setor produtivo, não é possível ignorar as duas faces da mesma moeda.
13. Uma relacionada com o mecanismo de formação de custos e preços, por via do qual as empresas (privadas ou estatais) que exploram atividades de produção e de comercialização de bens, ou de prestação de serviços, apropriam contabilmente todos os seus custos fixos e variáveis, inclusive salários e encargos sociais, acrescendo-os dos impostos indiretos e do lucro (e não poderia ser diferente), e os transferem, nos preços de venda, para o consumidor final -, zerando seus custos e ficando com os ganhos inerentes às suas atividades fins.
DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
14. A outra face da mesma moeda é a representada pelo sistema tributário e fiscal brasileiro, excessivamente oneroso, baseado no consumo, não na renda e generoso na renúncia fiscal.
. 15. Por esse sistema, é o cidadão quem paga, como consumidor e como contribuinte, os custos de produção, de prestação de serviços, de comercialização, o lucro e os impostos indiretos.
16. E há indícios de que paga mais do que seria normal por ser a atividade econômica ainda fortemente oligopolista, de concorrência imperfeita, e o poder público não dispor de instrumentos adequados para controlar o processo de formação de custos e de sua incorporação aos preços.
. 17. A propósito, para Sandra Cristina F. de Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, "dada a estrutura oligopolizada da economia brasileira, essa forma de financiamento (das contribuições sociais) assemelha-se a um imposto indireto, já que é razoável supor-se que as empresas repassem aos preços a carga impositiva associada à folha de salários" [2] (grifamos).
18. No mesmo diapasão observa Francisco Eduardo Barreto de Oliveira, pesquisador do IPEA, "uma das poucas unanimidades existentes entre os estudiosos de finanças públicas é que o imposto/contribuição sobre faturamento é a pior das alternativas em matéria de tributação. É certamente a pior escolha em termos de progressividade, conscientização do contribuinte, controle inflacionário, controle de evasão, etc. como indicado em qualquer texto elementar de finanças públicas. O imposto ou contribuição é em cascata, sendo repassado a preço de produto, pago primordialmente pelas classes mais desfavorecidas sob o prisma sócio-econômico". < span>[3](grifamos.)
19. Em conseqüência, o caráter regressivo dos custos nos preços pode ser maior do que deveria ser, prejudicando, sobretudo, os assalariados de menor renda, que consomem tudo o que ganham.
DA RENÚNCIA FISCAL
20. Além de transferir seus custos, os impostos indiretos e o lucro, via inclusão nos preços, para o cidadão consumidor e contribuinte, as empresas (privadas e estatais) também são beneficiadas pelos incentivos fiscais.
21. A concessão de incentivos de natureza previdenciária, via redução da base de cálculo, mediante lei específica, encontra-se prevista no artigo 150 § 6º, da Constituição Federal.
22. Beneficia, igualmente, as empresas privadas e os entes estatais, em decorrência do disposto no artigo 173 § 2º da Constituição Federal.
23 A legislação específica autoriza a dedução das contribuições destinadas ao custeio de seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da previdência social instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica antes da apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido. Beneficia, inclusive, as empresas privadas que patrocinam fundos de pensão para os quais os participantes não contribuem e cujos custos são repassados para o cidadão consumidor e contribuinte.
24. A partir da lei nº 9.532/97 a dedução ficou limitada a 20% do total dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes da empresa, mas em compensação, foi autorizada a dedução da contribuição para os Fundos de Aposentadoria Programada Individual – FAPI, limitada aos mesmos 20%.
25. Acrescente-se, ainda, as vantagens auferidas pelo patrocinador com o papel protagônico por ele exercido na administração do Fundo patrocinado. A Lei prevê a utilização do Voto de Qualidade nos escalões decisórios das Entidades, do que resulta serem sempre impostas pelo patrocinador as medidas administrativas, o que lhe permite decidir segundo suas conveniências sobre as aplicações em renda fixa e variável das reservas garantidoras dos benefícios concedidos e a conceder.
26. Se o patrocinador for um estabelecimento bancário, ele detém o virtual monopólio dos depósitos e das aplicações e cobra do Fundo patrocinado comissões pelos serviços prestados, cujo valor é superior às contribuições por ele vertidas.
27. Mais: Sendo preponderante no substrato de poder do fundo patrocinado, assume, na prática, o papel de administrador juridicamente irresponsável, na medida em que, se o resultado for deficitário, os participantes ativos e inativos, mantidos à distância da gestão, são convocados para participar da cobertura dos prejuízos.
.
28. São tantas as vantagens que numerosas empresas nacionais e estrangeiras patrocinam fundos de pensão e não cobram contribuições de seus beneficiários.
DOS FUNDAMENTOS DE JUSTIÇA SOCIAL
29. Ainda assim, deve-se admitir como normal e natural no sistema de economia de mercado que o Estado ofereça incentivos às empresas que se preocupam com o bem estar social de seus empregados, suprindo a ineficiência do poder público, sem as mazelas que maculam a ação estatal na área social.
30. Mas, não ao ponto de devolver à ficção jurídica que é a empresa uma contribuição que ela já repassou nos preços ao cidadão consumidor e contribuinte.
31. Não. Porque a implementação dessa medida acarretará enriquecimento sem causa da empresa patrocinadora e constituirá uma perigosa inversão até mesmo de valores morais.
32. Significará considerar o superávit como se fosse lucro, e a empresa, em vez de patrocinadora, sócia com direito à participação no lucro para distribuí-lo a seus acionistas, como se fosse o resultado de suas atividades fins.
33. Tal procedimento afigura-se incompatível com os fundamentos de justiça social, da legislação específica sobre a destinação de superávits e dos valores republicanos essenciais à convivência democrática e civilizada.
34. Além de ilegal seria imoral destinar ao patrocinador parte da reserva especial, posto que esta constitui patrimônio do fundo, cujos únicos destinatários são os participantes ativos e inativos.
35. Pois, como assinala com muita propriedade o especialista Consultor de Direito Previdenciário Privado, Sergio de Andréa Ferreira, in-Direito Previdenciário – Temas Atuais-Alteração Patrimonial dos Planos das EFPCS-Editora Juruá, páginas 292/3:
“Companheiros desse patrimônio são os participantes e assistidos, que são também destinatários dos benefícios contratados, pagos com os recursos desse patrimônio. Os patrocinadores contribuem, sem ser, porém, beneficiários”. (grifos originais).
DOS EFEITOS DA RESOLUÇÃO Nº 26
36. A Resolução CGPC nº 26 já se refletiu nas negociações em curso entre os representantes do patrocinador, Banco do Brasil, e dos participantes e assistidos, relativas à utilização da Reserva Especial apurada pela Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – PREVI no encerramento do exercício de 2007.
37. Os representantes do patrocinador que, antes, já vinham postulando a participação da empresa na distribuição da aludida reserva especial como condição para um acordo em relação à revisão do plano com melhoria de benefícios. Depois, suspenderam as negociações até que seja definido o montante do benefício que lhe será concedido pela referida Resolução.
38. A propósito, acrescentamos que a empresa patrocinadora da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – PREVI, por meio de acordos de questionada legalidade, já se apropriou de valores consideráveis, das reservas garantidoras dos benefícios concedidos e a conceder pela Previ, o que poderá por em risco a solvência futura do referido fundo de pensão.
39.Sobre o assunto, esta Federação, atendendo à interpelação do Procurador da República no Distrito Federal, Dr. Peterson de Paula Pereira, encaminhou a S. Exa. farta documentação comprobatória,
DO PEDIDO
40. Por todos os motivos acima expostos -, sobretudo porque, com o disposto nos artigos 15 e 16 da Resolução sub censura, o CGPC agrediu a Constituição Federal, feriu a legislação, a lógica, o bom senso, e os valores éticos e morais, indispensáveis a uma sociedade democrática -, esta Federação ingressou com Mandado de Segurança Coletivo, com pedido de concessão de liminar inaudita altera pars junto ao Exmo. Sr Juiz Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, (anexo 02), e com os mesmos fundamentos formula a presente representação postulando a assistência de Vossa Excelência em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individua is indisponíveis, ameaçados pela citada Resolução CGPC nº 26, de 29 de setembro de 2008. Pede e espera a apuração dos atos praticados pelo agen te coator que tipifiquem a ocorrência de crime de responsabilidade.
Belo Horizonte, 20 de outubro de 2008.
Federação das Associações de Aposentados e Pensionistas do Banco do Brasil
FAABB