TRF4 suspende transferência de recursos a patrocinadoras de plano de previdência complementar

 

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região determinou, na última semana,  à Fundação Sistel de Seguridade Social e à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) que suspendam todos os atos de transferência de valores do Plano de Benefícios da Sistel Assistidos (PBS-A) para as patrocinadoras deste.

A decisão liminar, do juiz federal Loraci Flores de Lima, convocado para atuar no tribunal, atendeu a recurso de dois beneficiários do plano, que alegam que o valor excedente à Reserva de Contingência, conhecido como ‘sobra’, em vez de ser investido no reajustamento dos benefícios, está sendo desviado indevidamente para as patrocinadoras.

O PBS-A é um dos planos de previdência complementar resultantes da privatização do Sistema Telebrás, ocorrida em 1998. Ele é gerido pela Sistel e fiscalizado pela Previc.

Segundo os autores da ação, a ‘sobra’ verificada deveria gerar reajustamento de seus benefícios. Eles alegam que a Sistel teria introduzido medidas ilegais e contrárias aos interesses dos assistidos, destinando 50% do superávit do plano às patrocinadoras.

Após examinar o recurso, Lima entendeu que existe perigo de dano iminente e de difícil reparação, pois a retirada de valores, que chegaria a R$ 1,1 bilhão, para fim diverso do pagamento dos benefícios, afetaria o equilíbrio financeiro e atuarial do plano e o bem-estar dos assistidos.

“Enquanto não realizada uma avaliação aprofundada do plano de benefícios, talvez mesmo por uma perícia atuarial, parece precipitado permitir o levantamento em favor das patrocinadoras do plano, porque se trata de quantia vultosa, cujo ressarcimento, acaso entendido indevido o levantamento, será de difícil garantia”, analisou o magistrado.

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5020149-60.2012.404.0000/SC

RELATOR

:

LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

AGRAVANTE

:

NAZIRA DOS SANTOS

 

:

ROBERTO SCHLICHTING FILHO

ADVOGADO

:

DANIEL REMOR MARTINS

 

:

GUSTAVO GOTTFRIED BARRETO

 

:

MARCOS LUIZ RIGONI JÚNIOR

AGRAVADO

:

FUNDACAO SISTEL DE SEGURIDADE SOCIAL

 

:

SUPERINTENDÊNCIA NACIONAL DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR – PREVIC

MPF

:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


DECISÃO


Trata-se de agravo de instrumento interposto de decisão proferida em ação ordinária ajuizada por Nazira dos Santos e Roberto Schlichling Filho, em face da Fundação Sistel de Seguridade Social e da Superintendência Nacional da Previdência Complementar – PREVIC, que indeferiu o pedido de tutela antecipada, pretendendo a suspensão de qualquer ato de transferência de valores do Plano PBS-A para as Patrocinadoras. 

Eis o teor da r. decisão recorrida: 

NAZIRA DOS SANTOS e ROBERTO SCHLICHLING FILHO, por procuradores habilitados, ingressaram neste juízo com a presente ação ordinária em face da FUNDAÇÃO SISTEL DE SEGURIDADE SOCIAL e da SUPERINTENDÊNCIA NACIONAL DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR – PREVIC, em que pretendem a concessão de provimento antecipatório para suspender qualquer ato de transferência de valores do Plano PBS-A para as Patrocinadoras.

 

Os autores alegam na inicial, em síntese, que recebem suplementação de aposentadoria pelo Plano de Benefícios da Sistel Assistidos (PBS-A), plano gerido pela SISTEL e fiscalizado pela PREVIC. 

Traçaram um histórico desde a criação da SISTEL até a cisão em 15 planos, no ano 2000, quando o patrimônio foi segregado, e foi registrado "sobra" pelo balanço patrimonial. 

Alegaram que a "sobra" verificada gerou direito adquirido dos aposentados ao reajustamento dos seus benefícios acima do índice oficial, o que não foi observado pelos réus.

Arguiram que "Segundo a cláusula 18.2 do "ACORDO ENTRE AS PATROCINADORAS", o valor relativo à sobra (o valor que excedeu à Reserva de Contingência) fora desviado para o Fundo de Compensações e Solvência, beneficiando, exclusivamente, as Patrocinadoras" (fl. 6). 

Sustentaram que a SISTEL, através das representantes das Patrocinadoras, alterou o regulamento do PBS-A, e introduziu medidas ilegais e contrárias aos interesses dos assistidos, destinando 50% do superávit às Patrocinadoras e reduzindo a responsabilidade das patrocinadoras por eventual déficit no PBS-A. 

Arguiram que as patrocinadoras não podem retirar dinheiro do plano porque na medida em que participam do plano de custeio, não podem ser beneficiárias. Além do mais, dentre outros impeditivos, o estatuto fundacional dispõe que a entidade não distribuirá lucros de qualquer espécie e os contratos previdenciários foram celebrados sob a égide da Lei 6.435/77, que é quem disciplina a destinação dos valores excedentes à reserva de contingência. 

Disseram que, em que pese a PREVIC ser o órgão responsável pela fiscalização das Entidades Fechadas de Previdência Privada, tem se mostrado omissa em relação ao destino dos recursos apurados como superávit técnico no exercício financeiro de 1999, e que "não tomou medidas para defender os interesses dos assistidos frente a esse escandaloso desvio de recursos, seja para que recebem o reajustamento previsto no art. 46 da Lei 6.435/77, seja para, na atual proposta de "distribuição de superávit", considerar os valores já retirados do plano pelas Patrocinadoras" (fl. 12). 

Sustentaram também que a "PREVIC não pode aprovar qualquer reversão de valores às patrocinadoras sem que, ao menos, seja feita uma reavaliação atuarial do plano, a qual deve considerar o direito dos assistidos ao reajuste do art. 46 da Lei 6.435/77, bem como os valores já apropriados pelas Patrocinadoras" (fl. 12). 

Sustentaram estarem presentes os requisitos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela e requereram, ao final, a procedência do pedido. 

Juntaram documentos e requerem a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. 

Vieram-me os autos conclusos para decisão. 

É o relatório. 

 

D e c i d o. 

 

Trata-se de ação ordinária em que pretendem os autores a concessão de provimento em sede de tutela antecipada que determine a suspensão de qualquer ato de transferência de valores do Plano PBS-A para as Patrocinadoras (item 3 dos pedidos). 

Os requisitos hábeis à concessão de antecipação da tutela são aqueles constantes no artigo 273 do Código de Processo Civil: 

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: 

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

(…) 

Examinando a questão sob o viés do primeiro requisito acima delineado – verossimilhança das alegações -, anoto que a tutela antecipada somente poderá ser concedida quando o provimento definitivo buscado pela parte, em razão da robustez do conjunto probatório previamente produzido, já possa ser concedido de plano, independentemente da produção de qualquer outra prova, o que, evidentemente, não é o caso dos autos, já que os próprios autores postulam expressamente na inicial a produção de prova pericial atuarial para a reavaliação do plano de benefícios PBS-A, apurando-se os débitos das patrocinadoras. 

De outra parte, a concessão de tutela antecipada deve estar embasada em verdadeiro perigo de dano, e não em mera hipótese calcada na alegação de que os reajustes dos benefícios não foram efetivados adequadamente, porque os lucros da entidade estariam sendo distribuídos, de forma ilegal, às patrocinadoras do Plano de benefícios. 

Dessa forma, ausentes os requisitos autorizadores, a tutela antecipada deve ser indeferida. 

Ante o exposto, indefiro a antecipação dos efeitos da tutela. 

Defiro o pedido de assistência judiciária gratuita. 

Citem-se. 

Com a apresentação das respostas, na hipótese de aplicação dos arts. 326 e 327 do Código de Processo Civil, intime-se a parte autora para manifestação, no prazo de 10 (dez) dias. 

Os agravantes, em síntese, referem o que segue: que o Sistema Telebrás foi privatizado em 1998 (Edital MC /BNDES nº 01/1998) mediante condições e obrigações, dentre elas a de manter o Plano e Benefícios da Fundação Sistel aos empregados; que o PBS foi cindido em 15 planos, separando os aposentados no atual PBS-A (acordo entre patrocinadoras realizado em 1999); que o plano previdencial possui três contas básicas, segundo classificação da Lei nº 6.435/77 (reserva matemática, reserva de contingência e sobra); que as contas formam-se sucessivamente sendo que a reserva técnica até atingir o nível necessário ao pagamento de benefícios; que a reserva de contingência até 25% da reserva matemática; e a sobra, pelo valor excedente aos 25%; que a atual LC nº 109/2001 passou a tratar a terceira conta como Reserva Especial, como destinação para revisar o plano, desvinculando-se do reajustamento dos benefícios acima do índice regulamentar; que a Fundação SISTEL, através dos representantes das patrocinadoras decidiu alterar o Regulamento do PBS-A introduzindo duas medidas ilegais e contrárias aos interesses dos assistidos, quais sejam: a) destinação de 50% do superávit (reserva especial) às Patrocinadoras e b) redução da responsabilidade das patrocinadoras por eventual déficit no PBS-A, a qual hoje é integral; que o processo está adiantado, a depender da concordância das patrocinadoras e da PREVIC, o que clama por urgência. Que as patrocinadoras já retiraram do PBS-A todo o superávit técnico apresentado em 1999 (1,717 bilhões de reais), ou seja, 100% dos valores que excederam à reserva matemática e que atualmente pretendem retirar do plano mais de R$ 1,1 bilhões. Que as patrocinadoras não podem retirar dinheiro do plano por cinco razões: é ilegal transformar as patrocinadoras em beneficiárias, por não participarem do plano de benefícios; o Estatuto da Fundação estabelece como objetivo a suplementação de benefício e promoção de bem estar dos participantes; há previsão acerca da não-distribuição de lucros de qualquer espécie; os contratos foram celebrados sob a égide da Lei nº 6.435/77, que prevê a destinação dos valores excedentes à reserva de contingência; as Patrocinadoras já retiraram valores, portanto são devedoras do plano. 

Em relação aos termos da decisão, os agravantes referem que o pleito de produção de prova de reavaliação atuarial não impede a concessão de tutela, uma vez que a perícia exigida é condição de transferência às patrocinadoras. O perigo de dano é iminente, uma vez que a retirada de valores para o fim diverso do pagamento de benefício, afeta o equilíbrio financeiro e atuarial do plano e o bem-estar dos assistidos e a autorização de retirada por parte da PREVIC está prestes a ocorrer, causando difícil reparação. Referem ainda que a Justiça do Trabalho vem determinando o reajustamento de benefícios em razão da sobra. Postula o provimento antecipatório. 

Decido. 

O cerne da questão apresentada está na destinação dos valores que compõem a conta "reserva especial" do Plano PBS – A. 

Sob a égide da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, foi criado o Plano de Benefícios da Fundação Sistel dos empregados, em virtude da privatização do Sistema Telebrás. Ao depois, os beneficiários aposentados foram separados para compor o PBS-A (acordo entre patrocinadoras – 1999). 

Acerca das operações das entidades de previdência privada, a referida legislação continha a seguinte previsão: 

 

Art. 40 – Para garantia de todas as suas obrigações, as entidades fechadas constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões em conformidade com os critérios fixados pelo órgão no normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, além das reservas e fundos destinados em leis especiais.

 

Art. 46 – Nas entidades fechadas o resultado do exercício, satisfeitas todas as exigências legais e regulamentares no que se refere aos benefícios, será destinado: a constituição de uma reserva de contingência de benefícios até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor da reserva matemática; e, havendo sobra, ao reajustamento de benefícios acima dos valores estipulados nos §§ 1º e 2º do artigo 42, liberando, se for o caso, parcial, ou totalmente, as patrocinadoras do compromisso previsto no § 3º do mesmo artigo. 

Com o advento da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, que revogou a Lei nº 6.435/1977, as disposições acerca da reserva de contingência assim foram redigidas: 

Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados plano, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas. 

§ 1º Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios. 

§ 2º A não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade. 

Já a Resolução MPS/CGPC nº 26, de 29 de setembro de 2008, que dispõe sobre as condições e os procedimento a serem observados pelas entidades fechadas de previdência complementar na apuração do resultado, na destinação e utilização de superávit e no equacionamento de déficit dos planos de benefícios de caráter previdenciário que administram, e dá outras providências, resolveu: 

Art. 1º – As entidades fechadas de previdência complementar – EFPC, na apuração do resultado, na destinação e utilização de superávit, e no equacionamento de déficit dos planos de benefícios de caráter previdenciário que administram, deverão observar o disposto nesta Resolução.. 

Art. 7° O resultado superavitário do plano de benefícios será destinado à constituição de reserva de contingência, até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor das reservas matemáticas, para garantia dos benefícios contratados, em face de eventos futuros e incertos.

Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput, serão consideradas as reservas matemáticas atribuíveis aos benefícios cujo valor ou nível seja previamente estabelecido e cujo custeio seja determinado atuarialmente, de forma a assegurar sua concessão e manutenção, bem como àqueles que adquirem característica de benefício definido na fase de concessão. 

Art. 8º Após a constituição da reserva de contingência, no montante integral de 25% (vinte e cinco por cento) do valor das reservas matemáticas, os recursos excedentes serão empregados na constituição da reserva especial para a revisão do plano de benefícios. 

Art. 20. Cabe ao Conselho Deliberativo ou a outra instância competente para a decisão, como estabelecido no estatuto da EFPC, deliberar, por maioria absoluta de seus membros, acerca das medidas, prazos, valores e condições para a utilização da reserva especial, admitindo-se, em relação aos participantes e assistidos e ao patrocinador, observados os arts. 15 e 16, as seguintes formas, a serem sucessivamente adotadas: 

I – redução parcial de contribuições;

II – redução integral ou suspensão da cobrança de contribuições no montante equivalente a, pelo menos, três exercícios; ou

III – melhoria dos benefícios e/ou reversão de valores de forma parcelada aos participantes, aos assistidos e/ou ao patrocinador.

Parágrafo único. Caso as formas previstas nos incisos I e II não alcancem os assistidos, a EFPC poderá promover a melhoria dos benefícios dos assistidos prevista no inciso III simultaneamente com aquelas formas. 

Não obstante os lúcidos argumentos lançados pelo eminente juízo "a quo" em sua decisão, tenho que, de certa forma, os argumentos por ele invocados servem,mutatis mutantis, para autorizar a concessão da medida reclamada pelos agravantes. Explico: 

Do que resta definido pelas normas que regulam os procedimentos a serem adotados pelas entidades fechadas de previdência complementar na utilização de superávit resulta, como primeiro princípio, a necessidade de que os valores correspondentes à reserva especial sejam aplicados em favor do próprio plano de benefícios, a dizer, em favor daqueles que contribuíram para a formação de tal superávit e que dependem da "saúde" desse plano para gozar dos benefícios dele decorrentes. Dentro deste contexto, então, parece bastante plausível a tese de que o Presidente do Conselho de Gestão da Previdência Complementar tenha exorbitado das suas funções ao estabelecer, na parte final do inciso III do artigo 20 da Resolução MPS/CGPC nº 26/08, uma destinação para a reserva especial que não está contemplada na LC nº 109/01. 

No caso, enquanto não realizada uma avaliação aprofundada do plano de benefícios, talvez mesmo por uma perícia atuarial, parece precipitado permitir o levantamento da metade do valor correspondente à reserva especial, cerca de 1,1 bilhões de reais, em favor das patrocinadoras do plano, porque se trata de quantia vultosa, cujo ressarcimento, acaso entendido indevido levantamento, será de difícil garantia, além do que é sabida a instabilidade que a economia mundial experimenta neste momento, a demonstrar toda a cautela em relação ao manejo desses valores que, afinal, devem garantir o futuro da previdência de milhares de trabalhadores que, durante muito tempo, contribuíram à formação desse plano e não podem ficar a mercê de contingências outras para, de uma situação de extremo conforto – plano superavitário – passar à angústia de que alguma turbulência ("em face de eventos futuros e incertos") represente risco à estabilidade do plano a médio e longo prazo. 

Essa situação, aliada ao fato de que não há risco de dano inverso – o não levantamento dos valores não representa, de rigor, nenhum perigo de dano irreparável às patrocinadoras, até porque, é evidente, desse valor elas não poderiam prever a disponibilidade -, acaba bem demonstrando a presença dos requisitos autorizadores da medida antecipatória reclamada neste feito pelos autores. 

Ante o exposto, hei por bem conceder o efeito suspensivo ativo reclamado pelos autores para o fim de suspender qualquer ato de transferência de valores do Plano PBS-A para as patrocinadoras do Plano de Benefícios da Fundação Sistel. 

Intimem-se, inclusive para contra-razões, e oficie-se, com a urgência que o caso impõe. 

Porto Alegre, 12 de dezembro de 2012.

LORACI FLORES DE LIMA

Juiz Federal Convocado

 

17/01/2013
- Justiça Federal
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