Mais uma vez, pedidos de adiamento começam a rondar o cronograma do leilão do trem de alta velocidade, projeto previsto para ligar as cidades de Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. Depois de três tentativas frustradas do governo de licitar um dos projetos de transporte mais polêmicos do país, consórcios voltam a bater na porta da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), pedindo que a data do leilão seja prorrogada. O Valor apurou que pelo menos dois pedidos de adiamento já foram entregues à diretoria da agência. O pleito das empresas se apoia, basicamente, nos mesmos argumentos que já conseguiram comprometer o cronograma do trem-bala em outras duas ocasiões: a necessidade de mais tempo para a avaliação dos riscos do projeto e a difícil negociação com parcerias para formar consórcios.
A ANTT não comenta o assunto. Oficialmente, o governo se mostra convicto de que não vai mudar o cronograma, o qual prevê a entrega de propostas em 13 de agosto e abertura de envelopes no dia 19 de setembro. Dentro da cúpula dos Transportes, no entanto, já há quem veja uma "oportunidade" nos pedidos de adiamento. Segundo uma fonte do alto escalão do governo e que está ligada diretamente ao projeto do trem de alta velocidade, o momento atual "é péssimo" para levar o projeto adiante. No instante em que Estados de todo o país são pressionados pela população para reduzir passagens de ônibus em R$ 0,20, o governo federal se mostra disposto a levar adiante um projeto bilionário. Retirá-lo da pauta, portanto, na avaliação dessa fonte, seria uma forma de "proteger" o empreendimento, que voltaria a ser oferecido em um "momento mais tranquilo".
Passados seis anos desde que a ideia do trem-bala foi lançada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o projeto ainda suscita dúvidas sobre a sua real necessidade e, principalmente, sua viabilidade econômica. Questões básicas, como o preço do projeto, ainda não foram devidamente respondidas e explicadas. Enquanto o governo bate na tecla de que R$ 35 bilhões de investimento são suficientes para colocar o trem-bala para rodar, empresas continuam a sustentar que não há meios de tirar o projeto do papel por menos de R$ 50 bilhões.
A principal mudança do edital anunciada mais recentemente pelo governo tinha o propósito de instigar o interesse de empresários, mas não surtiu o efeito esperado. Entre as empresas que analisam a proposta, prevalece a leitura de que a taxa de retorno de 7%, em vez dos 6,3% até então planejados, ainda é insuficiente para bancar os riscos do projeto, que tem prazo de 40 anos de concessão. O próprio presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, já vinha dando sinalizações públicas nas últimas semanas, de que esse percentual ficaria entre 8% a 8,5%.
Mais uma vez, alemães, espanhóis, franceses e japoneses despontam entre os principais interessados no projeto. Apesar dos primeiros pedidos de adiamento e das dúvidas dos empresários, o ministro dos Transportes, Cesar Borges, reafirma que o cronograma está mantido.
Ontem, em audiência pública no Senado, o presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, voltou a dizer que, no longo prazo, a demanda de tráfego entre São Paulo e Rio de Janeiro vai exigir, inevitavelmente, a construção de uma nova via de transporte. Figueiredo afirmou que, se o trem-bala não vier a ser construído, não restaria outra alternativa senão abrir mais uma rodovia de acesso entre as duas capital, ou ainda construir novos aeroportos, projetos que, em sua avaliação, teriam um custo próximo ao do trem de alta velocidade.
Depois de revisar inúmeras vezes o projeto do trem-bala, o governo tem tentado minimizar ao máximo os riscos do projeto. A proposta atual prevê, por exemplo, que 100% dos custos atrelados ao licenciamento ambiental e às desapropriações do empreendimento ficaram à cargo dos cofres da União. O custo exato dessa conta ainda é desconhecido, mas, invariavelmente, não costuma ser inferior a 10% do preço total de qualquer grande projeto de infraestrutura. (André Borges – Valor Online)